domingo, 25 de junho de 2017

Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 71

O individualismo enquanto elemento intrínseco ao modo de vida burguês, influencia de tal maneira a criação artística, que a coletividade é posta de lado. Em matéria de cinema , por exemplo, o que observamos  em grande parte é o protagonista individualista diante de pequenas situações ou grandes situações. Em cada uma delas ele age num quadro em que sua personalidade, suas características psicológicas, são postas em primeiro plano, enquanto que a história ou ao menos o contexto histórico em que a trama se passa, existem enquanto mero cenário. O contexto literário não é tão diferente, já que o " eu " muitas vezes habita o reinado do nada, do fragmento que flutua em dramas puramente individuais. Este estado de coisas exige a defesa da arte que aborda os dramas coletivos.
 Os grandes dramas da coletividade, que remetem claramente à representação artística dos temas históricos, não devem ser confundidos aqui com o esquematismo e a artificialidade próprias à manipulação estética do Realismo Socialista. Os dramas da coletividade devem ser abordados de acordo com as contradições históricas, com as tendências sociais objetivas que ganham forma mediante à luta de classes. Mergulhada em tais contradições, a narrativa(seja ela literária, cinematográfica etc) não é desculpa para o folhetinesco ou para o sentimento patriótico que servem para ocultar os interesses de classe no enredo de uma história. Os dramas individuais dos personagens ganham substância enquanto partes integrantes de um drama maior, de natureza histórica.
 As estratégias estéticas para a representação de dramas coletivos, ocorridos em determinadas épocas da história, confluem na direção do realismo. Porém, pensamos que este realismo deve ser dinâmico, ágil, aberto à invenção. Isto explicita o fato de que as tensões sociais(sobretudo em momentos revolucionários) exigem formas revolucionárias, capazes de promover choque e reflexão. Tão esteticamente/politicamente  empobrecedor quanto o jdanovismo, é o realismo defendido por Lukács: é um realismo tradicional, que parou no tempo, limitando-se à refletir sem levar em conta as conquistas estéticas do modernismo para fortalecer a própria proposta realista.
 Os dramas da coletividade em arte exigem a compreensão do movimento da história, da sua direção e das suas leis. Representar artisticamente estes dramas requer por parte do artista não apenas conhecimento histórico, mas perspectiva histórica: o artista precisa representar a marcha histórica em direção ao socialismo, em direção à emancipação da classe trabalhadora. A arte precisa representar , revelar o sentido da história.    

domingo, 18 de junho de 2017

Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 70

Apresentamos Zé+Zé= Sujeito histórico, de José Ferroso.

 " Os dois amigos tinham o mesmo nome: José e José sempre foram vizinhos, amigos de uma vida. Ambos chegaram aos 40 anos com mulher e filhos. Os dois tinham calos parecidos nas mãos, pois trabalharam em lugares parecidos: fábrica, construção civil, coleta de lixo etc. Trabalhavam juntos agora na mesma fábrica. Mas mesmo assim, havia diferenças marcantes: um Zé era doido por futebol, preferia guaraná ao invés de pinga, usava um boné azul, gostava de baralho e tinha dois filhos. O outro Zé , não gostava muito de bola, gostava de cachaça e muita sanfona, tinha um filho vivo, sendo que o mais novo morreu de fome numa longa viagem a pé entre o interior do Ceará e a cidade de São Paulo. Esse Zé tinha um boné amarelo.
 Num começo de noite, o sindicato decidiu que a greve rebentava na próxima madrugada. O dois amigos olhavam timidamente para os outros companheiros exaltados: murros na mesa, gargalhadas, vaias e olhares preocupados cercavam ambos numa assembléia que já durava 4 horas. Um Zé olhou para o outro e disse:

Zé 1: - E você, acha que a greve vai pra frente?

Zé 2: - Acho que vai.

No dia seguinte, estava marcada uma passeata. Os dois amigos chegaram pontualmente: operários se amontoavam e proclamavam palavras de ordem. Tomados por uma emoção súbita ambos passaram também a gritar. Conforme a passeata avançava, Zé e Zé percebiam que com bonés diferentes, calos parecidos, gostos diferentes e dramas particulares, eles não eram apenas amigos: faziam parte da mesma classe, tinham a mesma sede por um outro mundo. Um Zé olhou para o outro e disse:

Zé 1:- Lembra quando eu te perguntei ontem, se a greve ia pra frente?

Zé 2 - Lembro

Zé 1:  - Pois eu acho que esta greve promete mais, acho que tamo indo pra frente mesmo

Zé 2:- Eu não arredo o pé! 

Ambos iam mudando seu jeito de falar e pensar. Se assustavam um pouco, pois geralmente falavam baixo e assistiam os acontecimentos sem voz e com palito de dente na boca. Sim, era uma mudança e tanto: as lembranças festivas e amargas, os anos de trabalho, tudo só faria sentido se eles continuassem a andar juntos, a manter os pés marchando numa única direção. O helicóptero no céu era o mesmo. O cassetete era o mesmo. As reportagens na grande imprensa eram as mesmas. Mas Zé e Zé não eram mais os mesmos. " 


                                                                                    José Ferroso

domingo, 11 de junho de 2017

Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 69

O centenário da Revolução russa exige um esforço militante: a classe trabalhadora precisa de exemplos históricos de luta; e não se trata de qualquer exemplo: a Revolução russa de 1917 apresenta-se como uma escola política que também revela uma dimensão cultural revolucionária. A evidência histórica de que não é a obra de arte que produz a revolução mas sim a revolução que produz a obra de arte, está longe de colocar para a arte um papel passivo diante das transformações sociais de uma época.
 É precisamente no contexto histórico em que operam-se transformações na consciência das massas, que a arte apresenta-se não apenas enquanto registro de tais transformações: a obra de arte torna-se um terreno necessário para preparar e mobilizar os sentidos. Se fizermos uma história das revoluções, torna-se evidente que toda a esfera da cultura modifica-se radicalmente através do tecido social. Impossível pensarmos a Revolução francesa de 1789 sem que nosso imaginário seja tomado pela pintura de David. Tratando-se do contexto cultural propiciado pela Revolução russa de 1917, existe uma ampla produção artística que não perdeu sua atualidade.
 Se a vitória burguesa consagrou a perspectiva estética do neoclassicismo, a vitória do proletariado na Rússia encampou os movimentos de vanguarda. Pensando no centenário da Revolução russa, é dever de todos os militantes de esquerda divulgar a arte revolucionária que descortinou-se com a tomada do poder pelos bolcheviques. Da poesia de Maiakóvski ao cinema de Eisenstein, encontramos na chamada arte de esquerda do contexto soviético, um arsenal de obras que desempenhavam uma função que até hoje nos inspira: o poema, o cartaz, a peça teatral, o filme, o conto, o romance, a pintura, a arquitetura, tudo fundia-se ao cotidiano das massas. Ideologicamente falando, a obra de arte tornou-se parte da realidade do proletariado.
 Quando olhamos para a arte soviética do final dos anos 10 e dos anos 20, encontramos um fecundo material inspirador. Na hora de narrarmos a história da Revolução russa de 1917, precisamos necessariamente acionar a dimensão estética deste acontecimento histórico. Tal consideração é um recurso estratégico para que os trabalhadores brasileiros conheçam esta história.
 

domingo, 4 de junho de 2017

Boletim Lanterna. Ano 07. Edição 68

Apresentamos Os Trajes dos opressores , de Geraldo Vermelhão.

" Querem me surrar, me prender, me processar, quebrar minha cara, minha poesia, minhas ideias. Pois que venham!

Sim, que venham os espartanos com suas espadas de ferro. 

Não farei sandálias para nenhum faraó cretino!

Que venham os persas com arcos e flechas. Que venha o exército romano me caçar nas florestas.

 Estou pronto para lidar com os cavaleiros e suas cruzadas feitas de metal e sangue. 

Os príncipes, grávidos com as monarquias absolutistas, podem ter sangue azul, mas sangram feito qualquer um. 

Os colonizadores ibéricos não vão conseguir que eu trabalhe na lavoura. Não vou morrer sufocado nas minas para enriquece-los com ouro e prata. 

Meu sangue não será mais evaporado na fábrica. Minha carne não será triturada pela máquina que está a serviço do capital

Não tenho medo da cavalaria americana. Nenhuma corneta pode com o volume dos meus versos.

Lutarei até o fim antes que me levem para os campos de concentração. Cada verso é um tiro contra a suástica.

Que venham golpistas e os novos empregadinhos da velha burguesia. 

Não existe lama ou gás lacrimogêneo capazes de fazer com que minha poesia deixe de soltar faíscas, flores e as imagens sonhadas de uma outra história ".


                                                                            Geraldo Vermelhão