domingo, 24 de abril de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 15

Muitos brasileiros não sabem que somos latino americanos. Não supõem que uma arte contestadora e ligada às conquistas técnicas e estéticas do mundo cosmopolita, precisa estar enraizada nas experiências artísticas do povo. Diante da fúria das elites dos países latino americanos de hoje, a arte deve ser incorporada às necessidades ideológicas e práticas da classe trabalhadora. Arte popular na América Latina não é algo feito para turistas, não é curiosidade, não é exotismo e portanto fonte para pesquisas culturalistas e logo despolitizadas. A arte popular dos trabalhadores latino americanos precisa ser internacionalista, porque a nostalgia da terra leva apenas ao isolamento mental. Precisa ser ao mesmo tempo expressão das culturas exploradas, porque estas são as verdadeiras protagonistas da luta política. Precisa ser revolucionária porque a arte não pode se libertar apenas na forma: ela é o desejo político de libertação de populações oprimidas.
  Enquanto continente historicamente saqueado pelo colonialismo e pelo imperialismo, a América Latina só pode tomar consciência de sua miséria a partir de uma cultura revolucionária. As burguesias nacionais dos países latino americanos ainda são as fieis escuderias de uma cultura moldada segundo os mesmos parâmetros religiosos, políticos e econômicos  que perpetuam a dominação. Os trabalhadores da cidade e do campo são aqueles que podem disseminar as imagens, as vivências e os costumes que tornam-se a recusa dos padrões massificados impostos pelo imperialismo. A questão central é que as transformações operadas no plano da consciência não se dão da noite pro dia. É preciso habituar-se com experiências artísticas que entram em choque com a ideologia liberal e com todas as mentiras morais e políticas instaladas no espírito.
  A arte brasileira e a arte de todos os outros povos latino americanos, tem um grande desafio: em uma época marcada pelo anticomunismo e pela invasão norte americana, a arte latino americana precisa tornar-se uma força material, uma aliada sem máscaras do proletariado.

domingo, 17 de abril de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 14

Se a cultura expressa a luta de classes, no Brasil dos nossos dias este fato é confirmado sem disfarces. Com a direita fora do armário, não apenas a vida política mas a linguagem como um todo é condicionada por polarizações ideológicas. Do ponto de vista da esquerda, daqueles que realmente defendem um projeto socialista, a cultura precisa ser ocupada pelas mais diversas estratégias de combate.
  O campo de batalha da cultura deve ser defendido pelos trabalhadores. Como se não bastasse, além do imperialismo saquear os sentidos da população, a classe média infesta com sua simbologia reacionária os mais variados espaços. Diante disso não se pode perder de vista que a denúncia da miséria e a crítica aos tabus que funcionam como armadura da moral dominante, são os dois alvos a serem combatidos. Educar e agredir envolvem o percurso dialético de uma produção artística que possui compromisso político com o proletariado.
 A função pedagógica da obra de arte e a violência anárquica da criação artística são estratégias que ainda dividem opiniões entre militantes e artistas de esquerda. Isto é perfeitamente admissível e pertinente. A defesa de projetos estéticos distintos é parte do debate(que deve ser aprofundado). Aliás, a natureza progressista da arte está historicamente dividida nestas práticas: de um lado a instrução, a agitação , a desmistificação da ideologia burguesa, etc. Do outro lado, as explosões dionisíacas, a violência expressiva, a crueldade, o impulso libertário. Posto desta forma, educar e agredir são posturas complementares no mesmo exército de combate contra a cultura oficial.
 Entre aqueles artistas que não caíram na lábia das formas institucionais de cultura, lutar e combater tudo aquilo que impede a libertação econômica, política e moral do homem é o que realmente importa. Nunca é demais insistir nestes deveres do militante.  

domingo, 10 de abril de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 13

As relações históricas entre socialismo e cultura, costumavam ser marcadas por apaixonados debates dentro da esquerda. Encontramos em algumas organizações, das mais variadas correntes políticas, a persistência nestas discussões que não são apenas um " aspecto a ser discutido " mas um elemento vital para que possamos tocar o barco do projeto socialista. Porém, tais discussões raramente são aprofundadas, e como já dissemos inúmeras vezes aqui neste periódico, as consequências são péssimas para a militância de esquerda. Talvez a consequência política mais imediata desta falta de atenção dada aos problemas do que seria uma produção artística revolucionária, seja a cretinização que a direita realiza das experiências culturais no socialismo.
 É papel ideológico da burguesia fazer troça da história do socialismo e dos seus desdobramentos na cultura. E o pior de tudo, é que a esquerda deu margem para isso. As heranças desastrosas do stalinismo funcionam hoje como caricatura da arte produzida em território socialista. Se hoje Cuba e outros vestígios da guerra fria, respiram por aparelho, no campo da cultura o sentido revolucionário jaz há muito tempo. A Revolução cubana de 1959 foi acompanhada, em especial durante o início dos anos 60, de um cosmopolitismo que se fez ouvir sobretudo no cinema e na literatura. Entretanto, os defensores do realismo socialista sempre estiveram na cola dos artistas para estragar tudo. A exemplo do que rolou na União Soviética( o extraordinário brilho revolucionário das vanguardas soviéticas da década de 20 foi apagado pela escuridão jdanovista a partir dos anos 30) a cultura cubana se viu castrada.
 A própria revolução cultural e comportamental da juventude dos anos 60 foi reprimida em Cuba. Cabelos compridos e rock eram no interior dos Estados operários deformados,  considerados contra-revolucionários. Mas se o socialismo é a libertação da opressão econômica e política, não faz sentido reprimir o desenvolvimento da cultura. Cuba e outros países perderam a chance de produzir uma arte nova e revolucionária, liberta dos esquemas comerciais(razão esta que fez toda revolução cultural dos anos 60 nos países capitalistas, naufragar legal). Bem, qual seria o resultado disso tudo? Os jovens cubanos tiveram uma enorme curiosidade pelo rock. No mês passado os Rolling Stones tocaram na ilha. Evidentemente que os Stones são a trilha sonora para a abertura das relações capitalistas que começam a infiltrar o teto da sociedade cubana. Os Stones, que já foram uma banda perigosa para os valores burgueses, hoje dão voz ao desejo reprimido de muitos cubanos que associam indevidamente o capitalismo com liberdade.
 Enquanto militantes socialistas devemos pensar a cultura numa perspectiva libertária, experimental, voltada para a luta contra a sociedade de classes. Precisamos mostrar que a cultura no socialismo não tem nada a ver com o realismo socialista.

domingo, 3 de abril de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 12

As formas de polarização ideológica presentes na sociedade brasileira atual, atingem com toda certeza o território da arte. No campo progressista, temos tanto grupos e artistas que defendem a chamada arte popular(enraizada inclusive nas estéticas de teor regionalista), quanto aqueles outros(enraizados na cultura urbana) que defendem intervenções artísticas críticas e contrárias à moral burguesa(em tais manifestações encontramos a luta pela diversidade étnica e sexual, além do protesto contra as desigualdades econômicas). Toda esta face cultural avançada, encontra-se num quadro plural(e politicamente amplo), e contrasta rigorosamente com aquelas manifestações reacionárias, tipicamente de classe média, em que a estética massificada expressa uma aversão por aquilo que já foi chamado de " politicamente correto ".
 É também no interior desta polaridade que clássicos da arte contestadora realizada no Brasil, voltam a causar impacto, estando sujeitos à releituras. Este é o caso, por exemplo, do filme  Terra em Transe(1967), de Glauber Rocha. Terra em Transe pertence ao furacão cultural revolucionário do fim dos anos 60. Entretanto, quando o conservadorismo político atiça no cotidiano o anticomunismo e revela uma direita violentíssima, o filme de Glauber ajuda no aumento da temperatura. Este filme teve recentemente uma montagem teatral realizada na cidade de São Paulo pelo pessoal do Cia. Bará. Cabe mencionar também os debates cineclubistas que este longa ainda anima: no Museu da Imagem e do Som da cidade de Campinas, no último dia 26/03, exibimos o filme que rendeu uma bela discussão política(e estética).
 Mas por que Terra em Transe, um filme que guarda distância com várias manifestações artísticas de hoje em dia, ainda dá pano pra manga? Ao que parece as alegorias carnavalescas em torno de um país chamado Eldorado, que colocam no centro o intelectual de esquerda dilacerado pelos próprios erros políticos da esquerda e às voltas com o avanço da direita, ainda causa eco. É claro que a estrutura metafórica que remete à queda de Jango, é bem diferente do Brasil em que o governo Dilma atravessa uma grave crise.
 O filme de Glauber Rocha significou a ruptura com um modelo de arte calcada no CPC e nos erros políticos/culturais da era Jango. Glauber abriu alas para uma nova orientação estética marcada pela violência e pelo experimentalismo, o que iria desaguar no tropicalismo. Será que hoje em dia as forças artísticas progressistas(plurais e muitas vezes distintas entre si) poderiam proceder na mesma direção? É preciso ir além das respostas estéticas que pertencem unicamente aos anos 60. Os artistas revolucionários de hoje, precisam agir junto ao movimento operário para buscar uma alternativa política revolucionária(verdadeiramente socialista). Uma nova orientação cultural, capaz de fazer frente ao atual conservadorismo, poderá nascer deste processo.