domingo, 18 de dezembro de 2016

Pausa para o café

Encerramos mais um ano. Enquanto o capital assaltar a cultura, promovendo a exploração, gerando fome e alienação, iremos insistir na guerra ideológica. Entendemos que a arte é um importante exercício libertário: é a ginástica da reflexão estética que contribui com os rumos históricos da arte e fortalece (de modo independente) a luta política anticapitalista.
 Estaremos de volta na segunda quinzena de janeiro. No ano do centenário da Revolução russa de 1917, continuaremos com nossa modesta/subterrânea contribuição: na trincheira da cultura nunca falta munição simbólica.

domingo, 11 de dezembro de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 47

Os momentos mais progressistas da cultura brasileira precisam ser constantemente revisitados, relidos, valorizados enquanto memória que age sobre o presente. Existem vários intelectuais que foram presenças seminais nos rumos da arte brasileira. Sendo assim, o atual momento exige que valorizemos a presença e o legado de Ferreira Gullar, que nos deixou na última semana. A morte do poeta leva inevitavelmente a uma retrospectiva de sua contribuição ímpar.
 O maranhense Ferreira Gullar representa um modelo intelectual em extinção na nossa cultura. Ele protagonizou intensos momentos de ruptura estética, de agitação política. O autor de Rabo de Foguete esteve envolvido em projetos estéticos que constituem parte significativa da arte revolucionária feita no nosso país. Neoconcretismo, CPC e Grupo Opinião remetem a um período histórico em que a arte é essencialmente participação, experiência nova, tomada de posição diante dos impasses políticos do Brasil. Ferreira Gullar foi presença ativa neste processo cultural e político.
 Ferreira Gullar tinha razão quando, no fim da vida, afirmou que a arte existe porque a vida não basta. A necessidade da beleza, do colocar-se pra fora por meio da criação são aspectos que elevam a existência humana. A biografia de Ferreira confirma esta evidência da ação criadora do homem: o poeta foi uma liderança na dissidência vanguardista denominada Neoconcretismo. Rompendo com o racionalismo do concretismo paulista, o Neoconcretismo, por volta de 1959, radicalizou os procedimentos estéticos de vanguarda; ocorre agora a valorização da subjetividade do espectador. Certamente o poema objeto, legado por Ferreira Gullar, foi um dos momentos máximos deste movimento.  Mais tarde, durante o governo Jango, Gullar adere ao Centro Popular de Cultura da UNE, exercendo um importante papel como teórico e como liderança. Naquele período do pré-golpe, Gullar foi um dos nomes que contribuiu para um encontro revolucionário entre arte e política. Após o Golpe de 64, quando a cultura engajada parecia estar fadada ao fracasso, Ferreira Gullar toma parte no Grupo Opinião: tratava-se da primeira grande resposta ao golpe, na qual teatro e música popular resistem com uma impressionante vitalidade artística contra a ditadura militar.
 Ferreira Gullar enfrentaria a clandestinidade e o exílio. Tais barreiras não foram impedimentos para que ele insistisse na poesia e na crítica de arte. Podemos concordar e discordar das posições políticas e estéticas que Ferreira assumiu ao longo de toda sua vida. O ponto indiscutível é o seguinte: não se pode falar em arte revolucionária no Brasil sem levar em conta o legado de Ferreira Gullar.

domingo, 4 de dezembro de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 46

Como as pessoas de esquerda devem proceder na hora de organizar as fontes de informação artística/literária? Sabemos bem que a burguesia enxerga a arte e a literatura a partir do mero acúmulo de dados culturais. Obras de arte são catalogadas em volumosos arquivos/livros que na maioria dos casos obedecem em sua seleção critérios superficiais. Quer dizer, períodos artísticos/literários são encarados de acordo com meras variações formais; sendo que obras são inseridas em movimentos ou escolas dentro de uma postura esteticista. Contrariando tal concepção, cujo método serve ao mercado, a dialética marxista sustenta em seu gesto destruidor uma análise em que o movimento histórico da arte não envolve a mera sucessão de estilos.
 A dialética nos ensina que tudo está em processo de transformação. A história nos mostra que quando as forças produtivas entram em contradição com as relações de produção, uma nova fase de rupturas se processa dentro das sociedades humanas. Portanto a arte não é uma esfera intocável, pura e apartada dos conflitos sociais. Sendo parte integrante de uma época, a arte nunca esteve acima/imune aos processos econômicos e políticos que se traduzem inclusive no plano estético. Não existe nada de dogmático no raciocínio dialético: as contradições produzidas no interior das sociedades são concretas, reais.
  A economia não pode determinar mecanicamente a cultura e a política, já que o princípio criador do homem(sua capacidade de transformar a natureza e criar um mundo humano) interfere diretamente sobre a realidade. Enquanto dimensão específica do trabalho, da atividade criadora, a arte e os demais elementos ideológicos estão enraizados na dinâmica econômica das sociedades. É possível que algum leitor tomado por um certo entendimento idealista da arte, vista como uma mera assombração do mundo interior, pense que esta exposição não passa de mais um ABC do marxismo, que não se aplicaria mais ao entendimento das questões estéticas. Será?
 Situar a arte no campo da superestrutura e portanto compreender seu condicionamento a partir da base econômica, não negligencia a complexa trama interior do processo de criação artística. O caos psíquico que é transposto em formas artísticas, não nasceu do céu: mesmo a loucura possui origens materiais, origens no mundo externo. A composição da imagem, em qualquer forma de arte, possui uma lógica própria(é independente enquanto processo criador), mas não está fora da realidade, fora da produção material. Quando afirmamos que é preciso organizar obras de arte de acordo com o ponto de vista político da esquerda, estamos dizendo que é preciso reunir as mais variadas tendências artísticas entendidas na sua capacidade de libertação e educação estética do homem: mesmo as obras de arte que não falam da luta de classes, são muitas vezes necessárias para a emancipação humana, pois falam de um lugar que se choca com a alienação. Rever e organizar arquivos artísticos requer uma posição política clara e um entendimento histórico(necessariamente dialético) da arte.

domingo, 27 de novembro de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 45

A morte de Fidel Castro rendeu brindes entre os setores mais reacionários da intelectualidade. Perante o atual quadro conservador, o falecimento de um revolucionário gera um sabor simbólico de vitória burguesa, uma cereja colocada no bolo do capital. Não faltam jornalistas e historiadores dispostos a sepultar a Revolução cubana de 1959; batendo inclusive na previsível tecla de que haveria liberdade na democracia burguesa enquanto que o socialismo, tendo em vista aquilo que classificam como inevitável " caminho totalitário ", jamais poderia criar uma nova cultura. Mas antes de apontar as debilidades desta falsa dicotomia(intencionalmente sustentada pela mídia capitalista),   devemos frisar que a Revolução cubana, em seus acertos e erros, abriu alas para os debates culturais que colocaram a América Latina como centro estratégico para se pensar as relações entre arte e revolução.
 Qualquer liberal se enche de energia para dizer que o regime cubano sempre massacrou artistas e intelectuais. Isto é fato? Levando em conta que o alinhamento político cubano , em boa parte de sua história revolucionária, passa pelo stalinismo, não é difícil imaginarmos o quanto isto representou dificuldades para o livre  desenvolvimento das formas de arte revolucionária na ilha. Sobretudo a partir de 1971, a vida cultural cubana perdeu a chance histórica de erguer um modelo político libertador para os povos latino americanos. Porém, paradoxalmente, foi graças ao processo revolucionário cubano que as concepções estéticas do marxismo na América Latina ganharam força novamente. Para se ter a exata noção deste fato, é necessário relaciona-lo com a vida política como um todo: os barbudos colocaram o imperialismo norte americano para correr.
 Se a Revolução cubana herdou as deformações do stalinismo, e isto aplicou-se em parte na vida literária e artística, é preciso considerar a partir do prisma dialético os horizontes abertos por este acontecimento histórico. A cultura tornou-se revolucionária porque a política trouxe profundas transformações sociais em Cuba. É gozado como os intelectuais que esculhambam a Revolução de 1959, não mencionarem como era a vida da população cubana anteriormente. Como era a vida das crianças que vendiam frutas nas ruas, a vida das mulheres que eram obrigadas a se prostituir, a vida dos camponeses famintos, a vida dos operários explorados, a vida dos estudantes e intelectuais perseguidos pela ditadura de Fugêncio Batista, etc. Pois bem, a Revolução arrebentou com este quadro miserável. É claro que o autoritarismo e a intolerância presentes nos quadros do governo revolucionário trouxeram resultados desastrosos, e comprometedores sob o ponto de vista socialista. Entretanto, uma nova cultura só poderia nascer da Revolução e não de uma sociedade que era fantoche dos EUA. A miséria enquanto consequência da exploração econômica, só poderia ser erradicada com o fim do imperialismo.
 Não podemos simplesmente afirmar que a arte revolucionária em Cuba foi um mero reflexo do Realismo Socialista. As atividades em torno do ICAIC(Instituto Cubano Del Arte e Industria Cinematográfica ), da Escuela de Letras de La universidad De La Habana e publicações como El Caimán Barbudo, revelam intensos debates estéticos entre o jdanovismo e a liberdade artística. Vale lembrar que estas discussões não ficaram nos limites do território cubano, pois inflamaram a vida artística de vários outros países, incluso o Brasil( que o diga o movimento do Cinema Novo!). Em nossa opinião é preciso combater a burocracia e as deformações do marxismo: é por isso que realizamos a crítica da Revolução cubana. Mas ao mesmo tempo, enquanto pessoas de esquerda, não podemos negar as conquistas(ainda que contraditórias) da própria Revolução. Desde já, críticos, artistas e historiadores de esquerda devem estudar, preservar e difundir as contribuições e os erros presentes na arte revolucionária legada por Cuba.

domingo, 20 de novembro de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 44

Apesar de toda onda direitista, militantes de esquerda andam resistindo inclusive no terreno da cultura. Enquanto a mídia capitalista e alguns acadêmicos empenham-se para tentar aniquilar o pensamento marxista, procurando inclusive desqualificar as reflexões artísticas de esquerda, existem homens e mulheres que não abrem mão da necessidade de pensar a cultura sob o ponto de vista revolucionário. Na cidade de Campinas, por exemplo, ocorreram no último sábado(dia 19 de novembro) dois eventos que colocaram na ordem do dia a questão da arte revolucionária.
 Por ocasião do lançamento do livro Modernidade e a Estética do Credo Vermelho: Sobre o conceito de arte revolucionária do Brasil(1930-1949), de Afonso Machado(o livro foi publicado pela editora ISKRA), ocorreu um importante debate sobre arte e revolução na Casa Rosa, um verdadeiro oásis cultural ligado ao MRT(Movimento Revolucionário de Trabalhadores). Após as falas de Thyago Villela e Afonso Machado, que dentre outras coisas discutiram a dimensão política presente nas transformações artísticas da modernidade, surgiram junto aos militantes revolucionários presentes no evento, questões fundamentais para o debate estético da esquerda hoje: as contradições da indústria cultural, o mercado de arte, a produção artística dos trabalhadores, as relações entre o regional e o universal, as heranças desastrosas do Realismo Socialista, o papel da estética na mídia anticapitalista, as contradições da modernidade, a literatura e a luta de classes, a simbologia da esquerda, etc.
 Também no último dia 19, terminou o ciclo de filmes Realismo Socialista, ocorrido ao longo deste semestre no Museu da Imagem e do Som de Campinas. A conclusão que tiramos deste ciclo mensal organizado pelo nosso blog, é que o jdanovismo representa um terrível  retrocesso estético para a produção artística de esquerda. Ao nos debruçarmos sobre alguns filmes representativos do jdanovismo no cinema soviético, fica claro que a arte foi alvo da burocracia stalinista que reprimiu a criatividade e sufocou o trabalho de muitos artistas revolucionários. Esperamos que nossa iniciativa estimule entre os jovens militantes, a pesquisa em torno dos problemas do Realismo Socialista, sendo necessário expressar um juízo crítico sobre a questão a partir do ponto de vista da esquerda.

domingo, 13 de novembro de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 43

Ao longo de sua história, o pensamento marxista desconsiderou em boa parte os problemas da subjetividade. Minimizando a vida interior, a imaginação, as emoções, muitos pensadores marxistas desconsideraram um terreno que é fundamental para a revolução política. Tirando alguns poucos exemplos (como Walter Benjamin, Trotski e Marcuse) , o grosso do pensamento marxista reduziu os problemas da consciência no campo da consciência de classe. Logicamente que o cerne do problema político passa pela questão da consciência de classe: o que está em jogo para abolir a exploração econômica, é a organização das forças políticas capazes de transformar a realidade material. Porém, o universo subjetivo, de onde a arte extrai suas energias, não é menos importante.
 A missão revolucionária da arte não está na mera instrumentalização política. Ao interferir na percepção e consequentemente nas relações sociais, a arte pode ser pensada como trincheira espiritual que luta pela reconquista da sensibilidade. O que aparenta ser uma questão menor diante das relações de produção, é na verdade um espaço necessário para a tomada de consciência sobre as contradições do sistema capitalista. O empobrecimento da linguagem condicionada pelo capital, é um obstáculo para a luta política: se todas as conversas, todos os impulsos, estão aprisionados nas celas do dinheiro, nos calabouços dos interesses comerciais, não é descabido para a esquerda acionar a arte como uma aliada revolucionária que rompe com os jogos mentais do sistema.
 O modo de vida capitalista castra os instintos vitais, massacra a personalidade, sufoca outras formas sentir e estar no mundo. As burguesias possuem meios altamente sofisticados para reproduzir artificialmente uma cultura morta: os sentidos humanos vivem assim atolados num horizonte menor, carentes de movimentos espontâneos e de experiências poéticas. Assumindo uma posição em prol do socialismo, os artistas precisam preocupar-se inclusive em tratar, pelos meios da arte, destas questões enraizadas na subjetividade.  Buscar o enriquecimento do mundo subjetivo é um sopro de energia que possui resultados políticos. A arte aponta para a possibilidade de uma outra existência social.

domingo, 6 de novembro de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 42

Existem comentários feitos por certos intelectuais que massacram as possibilidades libertadoras da arte.  Relegada à condição de esforço inútil, detalhe cultural ou ainda como assunto ideologicamente irrelevante, a arte em sua substância política é condenada. Aos olhos de reacionários, declarados ou não, a arte pode existir para " distrair ", entreter, mas jamais pode ser encarada seriamente do ponto de vista político.
 Qual seria a real implicação deste tratamento decorativo que a obra de arte recebe na sociedade burguesa? Mesmo que " tolerada " enquanto direito , enquanto atividade reconhecida dentro da liberdade de expressão, a linguagem artística é vista com desconfiança porque não é elaborada a partir do mesmo material que fundamenta o mundo racionalizante. A esfera da estética escancara a possibilidade de uma outra ordem: a realização do humano, uma forma avançada de trabalho que se choca com as estruturas ideológicas que asseguram o trabalho alienado.
 Até mesmo muitas pessoas de esquerda, tendem a menosprezar o potencial político contido na comunicação artística. Isto é uma clara consequência da mentalidade racionalista, que só admite a arte enquanto complemento/ilustração de conceitos filosóficos/científicos. Evidentemente que o conhecimento sensível, a percepção dos objetos por meio dos órgãos sensoriais,  necessita de uma segunda etapa para que os fenômenos sejam compreendidos: a abstração, que encontra seu instrumento na teoria, se faz necessária. Entretanto, não basta ao humano racionalizar, ou melhor dizendo: o ato de racionalizar depende também de aprofundadas experiências sensíveis.
 Se conduzimos a questão para o encontro entre arte e política, então é evidente que a tomada de consciência para transformar as relações sociais num determinado modo de produção, exige que os homens sintam profundamente a necessidade da própria transformação política. Do outro lado do ringue, os representantes da classe dominante sabem muito bem como utilizar o fator estético a serviço dos seus interesses: da estetização política realizada pelo fascismo até a martelação ideológica exercida pela indústria cultural e seus paladinos liberais, a arte é um tentáculo essencial. Por que para muitos da esquerda a arte não seria fundamental? Seria o medo da irracionalidade? Logicamente que o comunismo não utiliza a arte da mesma maneira que fascistas e liberais. Para o comunismo, a arte não manipula, distorce ou estetiza.A criação artística deforma e denuncia a realidade estabelecida para fins de libertação: eis o encontro histórico necessário entre arte e revolução. Para que a imaginação não atrofie no reino do capital, precisamos insistir na força política da arte. Não está claro?

domingo, 30 de outubro de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 41

A tentativa de fazer do objeto artístico expressão do desejo revolucionário, não é um impulso que nasce e morre nos limites deste mesmo objeto. Ao interferir na consciência que se desenvolve a partir de relações sociais determinadas, o impulso estético visa provocar estragos culturais capazes de abalar o cotidiano. O poema, a peça de teatro, o filme (e por ai vai) não podem ser entendidos como produtos carimbados, cujo efeito/função envolve aquele tempinho de 1 minuto ou 2 horas de duração, para logo em seguida fazer com que as pessoas retomem sua rotina alienada. O volume revolucionário da obra de arte é algo que precisa ser capaz de atingir em cheio a vida, provocando discussões, analises, gerando crises mentais e exigindo um posicionamento de quem toma contato com a obra.
 Muita gente subestima o caráter político da arte porque o idealismo ainda come solto neste campo. Nunca se tratou do produto espiritual que transforma por milagre a consciência. A arte é geradora de alterações dos estados mentais, ocasionando não na " boa consciência " mas numa crise nervosa que estimula a desconfiança frente ao modo de vida capitalista: a miséria como consequência do capital, a hipocrisia sexual, o atrofiamento da imaginação, são todos postos a olho nu. Desta maneira, a obra de arte não é mais um objeto que integra-se a um mundo alienado; a obra de arte passa a ser um agente infiltrado na cultura estabelecida, quer dizer, uma atividade livre/criadora dentro da ordem política que procura massacrar a própria existência do trabalho artístico( e boa parte da indústria cultural está aí pra isso, ou seja,  para destruir o potencial libertário da arte e sufoca-la como simples mercadoria) .
 A dimensão política especifica do objetivo artístico, não é aquela que executa a ordem de um partido político. A arte na sua verdade obedece a um processo independente de criação,  que age de diferentes maneiras sobre a consciência. A comunicação revolucionária é portadora de novos signos,  de uma nova atitude que incrementa novas relações sociais. Não é passe de mágica, é impacto sensível que atinge a subjetividade. A tomada de consciência sobre a necessidade de uma outra cultura, de uma outra forma de organização econômica e política, passa necessariamente pelo terreno estético.

domingo, 23 de outubro de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 40

Vivemos numa época de fragmentações, de puro e descarado relativismo ideológico. Neste contexto a própria palavra arte é questionada, esvaziada e em muitos casos pretexto para mera recreação. Mas por outro lado, deveríamos sentir saudades da solenidade em torno das obras de arte? Enquanto expressão da divisão social do trabalho, o sentido tradicional da palavra arte carrega historicamente as marcas do elitismo. Mas como já nos referimos na edição 36,Walter Benjamin mostrou que no mundo contemporâneo a obra de arte aproximou-se das massas. Entretanto, este abalo da tradição, da aura das obras de arte, não garante prontamente um longo alcance para a arte revolucionária. Atualmente, artistas e militantes precisam lidar com novos problemas históricos.
  Um problema maior ganha vulto: num momento em que todo e qualquer objeto torna-se uma obra de arte( e as pesquisas da arte contemporânea abriram alas para esta conclusão) , qual seria o seu diferencial na realidade política? Quais são os verdadeiros desafios da percepção num mundo povoado por pequenos suportes digitais? Como atingir com uma arte politizada subjetividades isoladas, que vivem experiências virtuais coletivas e ignoram a realidade circundante com seus pequenos aparelhos digitais?
 Enquanto que respostas pessimistas implicam em cruzar os braços diante da história, tentativas progressistas procuram atuar concretamente sobre este mundo. Um pressuposto necessário para quem lida com questões artísticas, é entender que a arte envolve um distanciamento da realidade ordinária, do cotidiano alienado: a mentira real da imagem, já é em si um mecanismo de grande força política: a realidade da arte choca-se com o mundo real. Na imagem, na ficção, o desejo revolucionário pode prevalecer diante da sociedade conservadora. Talvez o que esteja em crise não é a possibilidade histórica da arte revolucionária(o que por sua vez pressupõe um projeto político socialista, do qual esta arte é expressão independente) mas as estratégias políticas para que ela tenha um papel relevante. Devemos nos perguntar sempre por que as massas não possuem uma atitude de receptividade diante de pinturas, filmes, romances, poemas, peças de teatro e canções que atacam o sistema estabelecido.
  Sabemos que a arte combativa desafia a percepção, retira os sentidos de uma situação confortável; logo as massas educadas no conformismo político da cultura de massa, ficam desconfiadas. Mas será que a arte realiza um milagre político isoladamente? A arte não é uma salvadora, única responsável pela tomada de consciência sobre os conflitos sociais. Ela insere-se num conjunto histórico de agitação política. Se a lógica interna da obra de arte pode exercer um efeito anestésico sobre a consciência, ela também pode invalidar a ordem capitalista. O potencial comunicativo da arte é medido pela luta de classes.

domingo, 16 de outubro de 2016

Nota de pesar

Devido ao falecimento do pai de Thyago Villela, amigo querido e colaborador deste periódico, nesta semana não publicaremos a edição 40.

domingo, 9 de outubro de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 39

Certamente os artistas e escritores mais corajosos dos nossos dias não se esquivam das questões políticas. Enquanto que muitos condicionam suas necessidades expressivas de acordo com o jogo do relativismo, criando obras que apesar do eventual valor artístico fazem coro com a ordem capitalista, alguns poucos apostam na provocação. Tratando-se das artes visuais, os exemplos mais interessantes encontram-se entre aqueles que pesquisando variados suportes do mundo urbano, questionam os limites entre mercadoria e obra de arte, entre representação e realidade, entre imagem e ação. Na literatura, como já insistimos aqui em outras ocasiões, a bola da vez está entre os escritores das periferias do Brasil: expressões literárias originais, se fazem presentes em saraus populares que contrastam com as crises existenciais do escritor pequeno burguês exilado em seu apartamento.
   Apesar de minoritárias, as formas artísticas que exprimem o inconformismo político, se fazem presentes no mundo de hoje. Muitas destas manifestações artísticas não são revolucionárias. Isto é motivo para a esquerda não leva-las a sério? Não, existem variados caminhos ideológicos para a arte. Um artista não é obrigado a seguir nenhuma voz de comando exterior para realizar sua obra: a arte é fruto de uma necessidade específica, que não pode se sujeitar a um molde ideológico. A contribuição política de uma obra de arte precisa ser encarada a partir da sua vigência estética. Porém, se a arte é inevitavelmente ligada à política, seu caráter revolucionário não é uma questão estilística mas uma necessidade histórica: ao optar pela classe trabalhadora, o artista torna-se um aliado na luta política. Preservando sua relativa autonomia, a arte que pretende cumprir um papel revolucionário, deve ir além da crítica pontual para tornar-se expressão que condena a sociedade de classes.
 Há pelo menos 150 anos, o que existe de realmente relevante na arte e na literatura se caracteriza pelo confronto com a sociedade burguesa. Obras de arte que vivem numa redoma de vidro, isoladas dos problemas do mundo real, cumprem um papel de enfeite da civilização capitalista; e hoje não é diferente. Quando afirmamos que a arte possui um papel revolucionário, não estamos impondo uma norma mas apresentando uma evidência do nosso tempo: se o artista deve ser inteiramente livre para solucionar esteticamente suas inquietações interiores, ao mesmo tempo ele não poderá realmente faze-lo se consentir com os valores do capitalismo. Portanto o caminho que defendemos para a arte é o mesmo caminho político que deve libertar politicamente a classe trabalhadora: o socialismo. Se faz necessário que os artistas e escritores mais ousados dos nossos dias, compreendam a fundo a necessidade da arte ser uma força revolucionária:o desejo de libertar o homem exige que a arte volte-se violentamente, no plano da expressão, contra a realidade capitalista.
 A formação política do artista de esquerda é uma questão da maior urgência. Não se trata de estudar o marxismo para aplicar mecanicamente conceitos filosóficos na representação artística; afinal é exatamente o contrário que o marxismo ensina:  são as representações e intuições que, ao apreenderem o mundo concreto, tornam-se o ponto de partida para o surgimento dos conceitos. Conhecer profundamente o pensamento marxista, livre das deformações stalinistas, é um ganho intelectual para os artistas que não querem enfeitar a realidade, mas sim transforma-la.  

domingo, 2 de outubro de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 38

A maneira como o marxismo deve proceder em relação aos problemas da arte e da literatura, é entendida de diferentes maneiras. Não faltam aqueles militantes de esquerda que, ignorando as implicações especificas da estética, caem nos limites de um sociologismo da arte.  Para o materialismo histórico dialético existem 2 problemas postos: 1- Explicar a relativa autonomia e o condicionamento histórico da arte. 2- Pensar a maneira como a arte e a literatura podem influenciar na realidade política.
 No primeiro caso, existe o risco do mecanicismo: a exemplo do que os primeiros teóricos marxistas disseram, a arte seria um mero reflexo das determinações econômicas de uma dada civilização. Evidentemente que para o marxismo as relações entre infraestrutura e superestrutura são o ponto de partida dialético para se refletir sobre as questões artísticas: enquanto esferas da superestrutura, a arte e a literatura dependem de uma existência material, de um nível específico de desenvolvimento das forças materiais, sendo a criação estética, independentemente da vontade do artista, expressão ideológica de uma forma de organização social. Porém, o caráter ideológico da arte ou sua significação política numa sociedade dividida em classes, não encerra/define a necessidade da criação artística.
Fonte de afirmação, de objetivação do humano, a arte é um trabalho criador que possui as suas próprias leis: a dinâmica psicológica, que possui suas raízes no corpo e no próprio movimento da história, é geradora de novas necessidades de expressão e comunicação. As transformações históricas da arte possuem relações com as mudanças psicológicas que repousam nas próprias transformações do meio social; logo a história da arte e da literatura não envolve uma mera sucessão de estilos e escolas, mas mudanças históricas mais profundas que assumem formas artísticas particulares. Embora a arte exista como ideologia dentro da luta de classes, ela não existe por causa disso. A arte busca harmonia e plenitude.
 Mas como a arte e a literatura poderiam existir como trabalho criador se o trabalho alienado mina suas possibilidades criativas? Sendo assim, a divisão social do trabalho no capitalismo, obriga os artistas e escritores a assumirem uma posição: ou consentir com o esmagamento do humano realizado pelo capital, ou posicionar-se de acordo com uma perspectiva política socialista. Não existe meio termo, não tem como fugir da história. Perante as novas realidades digitais, perante as contradições presentes na industrialização da cultura, a arte só pode seguir no caminho da emancipação humana. Inevitavelmente a criação artística deve ser um gesto de revolta, de oposição. A arte revolucionária não é uma determinação burocrática que subordina a estética à política. Arte revolucionária é um conjunto de esforços que pelos seus próprios caminhos estéticos é anticapitalista. A influência política revolucionária da arte, depende de uma intensa articulação entre as necessidades expressivas do artista e as formas de comunicação que revelam os cadeados do capitalismo(e logo a necessidade de destruí-los).

domingo, 25 de setembro de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 37

Será que a esquerda não sabe lidar com artistas ou são os artistas que não se adaptam a um modelo de militância política ? Este tipo de pergunta não ajuda: não é com generalizações que conseguiremos pensar a contribuição que os artistas podem dar para a luta socialista. Em primeiro lugar, seria importante destacar que organizações políticas de esquerda não podem apadrinhar e apropriar-se do trabalho de nenhum artista ou escritor. Apoiar e garantir espaço para o debate cultural não implica em monopolizar iniciativas artísticas.
 Em segundo lugar, precisamos deixar claro que o marxismo não pode ser guardião de nenhum movimento ou projeto estético em particular. O papel do marxismo está em apresentar teorias estéticas que respondam ao movimento histórico da arte e da literatura. Diferentemente daquilo que se fez no século passado, a esquerda dos nossos dias precisa fazer do debate cultural um contexto em que as ideias artísticas e as reflexões estéticas sejam estimuladas e não dirigidas.
  Seria leviano afirmar que militantes de esquerda no Brasil de hoje não se preocupam com questões culturais. Existem vários militantes atuantes na esfera da cultura, que escrevem e debatem o valor político revolucionário da arte e da literatura. Mas além de serem poucos, estes militantes precisam responder a uma série de obstáculos históricos. É claro que as forças políticas e culturais da direita são declarados obstáculos(não poderia ser diferente). O conservadorismo que toma conta da sociedade brasileira, atinge a Educação e as produções culturais: num primeiro olhar, não haveria nenhum aspecto progressista no ar. A febre direitista não apenas hostiliza como criminaliza a crítica marxista. Nenhum espanto: sabemos que é papel da direita formar intelectuais prontos para impedir qualquer agitação cultural revolucionária entre trabalhadores e estudantes. Como combater esta atmosfera conservadora com tintas, palavras, sons, gestos e filmagens?
  Neste momento de crise, precisamos reafirmar nossas convicções políticas partindo da realidade concreta: com aproximadamente 12 milhões de desempregados no Brasil, a ideologia dominante não pode estar com a bola toda. Inserindo a imagem e a palavra que chocam-se com os discursos reacionários, podemos fazer do contraponto estético um valor a ser historicamente construído; ainda que não possamos medir com uma régua seus efeitos na consciência, o choque estético é um corpo estranho na sociedade da alienação. Manipular é fácil: e este é o papel dos intelectuais e artistas que optaram pela burguesia. Já conscientizar não é tão simples: remover mentiras, desconstruir tabus e alargar o horizonte mental envolve um verdadeiro trabalho de paciência histórica. Temos a nosso favor um fato inquestionável: a luta de classes. É dentro dela que debatemos o sentido político da arte.
 

 

domingo, 18 de setembro de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 36

Nem sempre uma obra de arte que tem por tema o socialismo ou as lutas dos trabalhadores é revolucionária. Isto pode parecer obvio mas não é: o desconhecimento das questões estéticas pode adestrar a percepção da própria militância de esquerda com obras de arte infestadas de clichês, pautadas no melodrama, mergulhadas enfim nas estruturas de linguagem disseminadas pelo imperialismo, pelo que existe de pior na cultura de massa. Já discutimos anteriormente que o Realismo Socialista foi a experiência histórica que dissociou arte e revolução; aliás, por falar em jdanovismo, fica registrado aqui a divulgação da próxima edição do nosso ciclo de filmes Realismo Socialista, que ocorrerá no Museu da Imagem e do Som da cidade de Campinas: dia 24/09, às 16 h , será exibido o filme soviético Os Tratoristas(1939), de Ivan Pyryev. Mas além do jdanovismo, encontramos na indústria cultural um legado estético que fixa um patrimônio emocional reacionário nas massas(e nem sempre os socialistas estão imunes a isso).
 No tocante ao tema da indústria cultural, fazemos sérias reservas quanto ao diagnostico pessimista do filósofo Adorno. De fato, ele mostrou a maneira como a cultura no capitalismo avançado tornou-se um prolongamento do trabalho alienado: o elogio da rotina realizado por filmes, músicas, novelas e outros produtos, revela que a arte oculta os antagonismos sociais e torna-se um fator de integração, de conformismo. Porém, se a alienação é o que impera na indústria cultural, não podemos cair no pessimismo que toma como inevitável a neutralização das obras de arte que contestam a ordem vigente. Como já tivemos a oportunidade de dizer antes, é preciso contextualizar a produção artística de massa de acordo com os meios de produção culturais controlados pela classe dominante. Neste sentido, temos vários pontos de contato com Walter Benjamin: este pensador percebeu que a aproximação da obra de arte com as massas, destruiu séculos de abismos culturais e de elitismo artístico. Portanto, o nó da questão está em situar a arte dentro da luta de classes: se a indústria cultural age ideologicamente para sedimentar o sistema, cabe aos revolucionários criarem formas de resistência de acordo com seus próprios aparelhos de produção artística(esta é uma das várias lições de Benjamin).
  A criação artística dentro da esquerda é, pelas condições atuais de produção, um gesto militante que deve se diferenciar radicalmente das estéticas alienantes presentes na indústria cultural. Entretanto, é comum encontramos dentro da esquerda o seguinte raciocínio: " É preciso comunicar ideias revolucionárias através das formas artísticas que o proletariado gosta e está familiarizado ". Nesta afirmação existiria uma aparente evidência: fora do folhetim, da linguagem do telejornal, da estética hollywoodiana, não conseguiríamos nos comunicar com os trabalhadores. Será? Que tipo de comunicação um artista de esquerda procura? Seria um conteúdo progressista e uma forma digestiva? Não podemos separar forma e conteúdo(assim como a realidade técnica dos meios com os quais produzimos arte de combate) porque nosso objetivo não é conseguir cordeiros, seguidores, números. Aliás, o objetivo é contribuir através de uma comunicação artística revolucionária com a formação de militantes.
Quem quer controlar as massas? Liberais, fascistas e stalinistas. O objetivo da arte revolucionária é casuar choque, estranhamento, desafiando a própria massificação. Se estamos em menor número não se trata de um problema artístico mas político. As transformações técnicas comprovam que historicamente as obras de arte estão cada vez mais próximas do público. O que Adorno escreveu encaixa-se muito bem nos contextos do rádio e da televisão, mas cai por terra com as tecnologias digitais: por diferentes canais podemos apresentar de forma descentralizada experiências estéticas de contestação. O objetivo é fazer o público pensar, refletir sobre a realidade. Temos muito trabalho pela frente.

domingo, 11 de setembro de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 35

Ossip Brick, nome iminente das vanguardas soviéticas, afirmou que: " Um sapateiro produz sapatos. E um artista? Nada ". Esta extraordinária provocação, leva-nos a perguntar por que gastar fosfato com problemas estéticos diante do aparente papel insignificante da arte para o proletariado. Insignificante? Não teria a música(samba, funk, rap, forró, etc) um importante papel no cotidiano dos trabalhadores? Não haveria arte popular? Pensando nas tradições culturais do ocidente, não poderia um operário emocionar-se com uma composição de Mozart? Sua imaginação não seria atingida pela poesia de Homero? Na realidade existe um duplo problema histórico: a) A necessidade das tradições culturais, negadas ao proletariado pela divisão social do trabalho, serem democratizadas. b) A criação e teorização de propostas estéticas, que não sejam contemplações mas expressões ativas que contribuem com a vida prática, cotidiana, dos trabalhadores; funcionando também como ingredientes ideológicos revolucionários que orientam a realidade da classe trabalhadora.
 A sacralização das obras de arte é historicamente uma atitude das classes dominantes. Mas quem disse que estetizar a vida, confundir os limites entre arte e " objetos profanos " é algo necessariamente de esquerda? Vivemos um momento em que a publicidade possui seus " clássicos ", suas obras de arte: propagandas de chocolate, automóveis, hambúrguer e sabão em pó estão, na era da mercantilização da cultura, pau a pau com a pintura de um gênio renascentista. Sim, as leis da arte não são as mesmas da propaganda: uma atividade criadora, que não pode tolerar interferências externas e portanto obedece à necessidade de expressão/afirmação do humano, não pode se confundir com os imperativos do consumismo. Mas infelizmente, na época do capitalismo avançado, se confundem. O que poderia ser e o que a arte revolucionária tem a oferecer neste contexto que aprofunda a alienação?
 Se tanto a história da arte quanto as aberrações mercadológicas realizadas com zelo estético, estão nas mãos da classe dominante, cumpre aos militantes de esquerda reorganizarem o legado revolucionário da arte. Um artista de esquerda precisa se preocupar em realizar obras que se comuniquem com os trabalhadores. Isto está longe de restringir a obra no campo do conteúdo ideológico: denúncia e agitação são elementos indispensáveis; mas a exemplo dos construtivistas russos, devemos pensar em obras que se integrem ao cotidiano das massas, que tenham uma função ativa e portanto operem pela forma livre/libertária transformações na consciência. A busca por um novo psiquismo, que corresponde às necessidades de organização política do proletariado, ainda se impõe como desafio progressista. É preciso pesquisar caminhos.

domingo, 4 de setembro de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 34

Quando nos perguntam sobre as questões relacionadas à arte revolucionária, é comum encontrarmos pessoas desavisadas que consideram o conteúdo político como sendo uma meta publicitária de nossa parte.É claro que o aspecto da propaganda política se faz presente em vários produtos artísticos engajados. Porém, comunicar uma ideia revolucionária pressupõe a valorização dos meios expressivos. É preciso dizer sempre que para nós a pesquisa artística não é um luxo paradisíaco, mas uma necessidade expressiva que não se separa da intencionalidade política. Separar artificialmente numa obra de arte a forma e o conteúdo, acarreta necessariamente na deturpação da expressão artística.
 A simplificação que muitos fazem da arte que pretende ser uma intervenção crítica sobre a consciência da classe trabalhadora, consiste em achar que basta embutir artificialmente uma ideia política revolucionária para que possamos atingir nossos objetivos. Então como seria? Basta pegarmos emprestado a forma do samba com uma letra inspirada no Manifesto Comunista de Marx e Engels? Seria uma jogada tão simples em que a literatura de cordel surgiria num enredo em que os cangaceiros são bolcheviques e a volante os cossacos? Observem como é ridículo e politicamente ineficaz violar os procedimentos estéticos inerentes a estas formas artísticas populares, para propagar de qualquer jeito ideias revolucionárias.
É claro que o samba, a literatura de cordel e outras importantes expressões da cultura popular brasileira podem(e devem) passar por um processo de politização. Mas é preciso que o artista escolha a partir da sua sensibilidade as formas que possam comunicar sua crítica revolucionária. Tal escolha não é uma colcha de retalhos em que pega-se daqui e dali e cria-se uma obra engajada. O artista plasma suas inquietações políticas a partir da expressão artística que surge como participação política: o tom do poema, a estrutura sonora da canção, os traços do desenho, o enquadramento da câmera, a elaboração da cena teatral, envolvem o encontro entre a necessidade subjetiva do artista e o impacto objetivo sobre aqueles que entram em contato com a obra.
  Os artistas que sentem a necessidade de participar das lutas políticas dos trabalhadores, necessitam compreender a maneira como a esfera da estética atua sobre as formas de consciência. Se o objetivo da arte de combate é esclarecer, instruir e ao mesmo tempo escandalizar e desafiar a percepção de um público massificado, a intenção política progressista não pode se separar de uma forma revolucionária, que impulsione sem forçação de barra a ideia revolucionária. Expressão e comunicação estão no mesmo plano.

domingo, 28 de agosto de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 33

No último sábado(dia 27 de agosto) a primeira sessão do ciclo de filmes Realismo Socialista, ocorrida no MIS Campinas, desencadeou um debate que levantou questões urgentes para a militância cultural. Ainda que a discussão em torno do filme Chapaev(1934) estivesse restrita  a um pequenino grupo de cinéfilos e militantes, o fato é que as dificuldades e as limitações políticas de grande parte da esquerda brasileira, foram colocadas em questão.
 O filme exibido mereceu por parte dos integrantes do nosso blog, uma abordagem histórica: Chapaev traz em seu enredo a figura de um líder bolchevique, que teve uma importante participação no Exército Vermelho durante a época da Guerra Civil na Rússia(1918-1921). Passando para o debate mais propriamente estético, procurou-se destacar o retrocesso artístico de uma proposta cinematográfica que interrompeu bruscamente a radicalidade dos vanguardistas que representavam a arte soviética. Negando as contribuições do Construtivismo russo, corrente de vanguarda que encabeçou o cinema soviético dos anos 20, o longa em questão adulterou a partir da sua fotografia acadêmica uma série de aspectos políticos do período histórico em que o filme se passa: uma narrativa calcada no melodrama convinha com os interesses burocráticos do stalinismo. A questão do melodrama foi o aspecto do debate que acionou as limitações estéticas da esquerda hoje: a estrutura melodramática ainda pauta o gosto e a narrativa de várias iniciativas da esquerda.
 Visto que o Realismo Socialista não apresentou-se como corrente estética disposta a debater com outras tendências artísticas do período, mas como expressão cultural da política stalinista que padronizava e sufocava as formas de expressão, foi colocado em questão no nosso primeiro debate do ciclo, o seguinte problema: até que ponto os estragos no jdanovismo ainda se fazem presentes, mesmo que indiretamente, na propaganda e na linguagem das organizações socialistas? Voltando a questão do melodrama, o fato é que narrativas que engrandecem a figura do " herói trabalhador ", ocultando o movimento dialético no plano da criação, resumem a tônica das experiências culturais de inúmeros militantes. Ainda que vários destes não sejam stalinistas, apresentando-se inclusive como críticos da política stalinista, o que impera é a preferência por uma estética que tanto no audiovisual quanto na arte gráfica , ainda bebe numa estrutura de linguagem que é burguesa dos pés à cabeça.
  Mas o grande problema debatido por nós foi exatamente a ausência de debates culturais entre militantes. Ao invés de participarem de debates culturais em espaços públicos, muitos militantes são subordinados a um imediatismo político que atende tão somente a uma visão economicista da realidade.Evidentemente que num momento marcado pelas eleições municipais, as energias de muitas organizações volta-se para a luta política. Isto não só é compreensível, como necessário diante de um cenário político tão conservador. Porém, como proporcionar o encontro entre diferentes correntes da esquerda para se debater arte revolucionária? Isto também não faria parte da luta política? Certamente existem dirigentes que sabem da importância da cultura: é com eles que contamos para estimular a militância para debater as questões estéticas.
 Para fechar esta edição do nosso boletim, caberia ainda uma indagação que ficou sem resposta, ou melhor, que exige de todos nós a construção de uma resposta: diante das formas sofisticadas de alienação promovidas pela cultura de massa, como a esquerda pode elaborar, a partir das históricas referências artísticas, formas de comunicação que atinjam um público mais amplo? Como o leitor pode observar esta edição 33, a exemplo da edição 32, é marcada por várias perguntas. Pois é, estamos todos quebrando a cabeça com estas questões. Estamos todos tentando contribuir com o debate em torno da necessidade da arte revolucionária.

domingo, 21 de agosto de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 32

Convidamos a todos os cinéfilos e militantes de esquerda a comparecerem no ciclo de filmes Realismo Socialista , no Museu da Imagem e do Som da cidade de Campinas. Como já vem sendo divulgado aqui, o ciclo terá seu início no próximo dia 27 de agosto. Trata-se de um ciclo mensal: avisaremos neste mesmo blog as datas e os títulos dos filmes que serão exibidos. Abriremos no próximo sábado com o longa Chapaev, de 1934,  dirigido por Georgii Vasilyev. A sessão terá seu início às 16 h, lembrando que após o filme será realizado um debate sobre o mesmo. É importante que se diga que no debate os espectadores não apenas constroem, a partir de diferentes pontos de vista, o significado dos filmes. O debate é um momento de participação na vida cultural da polis. Neste ciclo em especial, faremos uma reflexão sobre a situação do cinema e das artes na União Soviética das décadas de 30 e 40.
 As questões estéticas, indissociáveis dos fatores políticos, devem levantar problemas/questões que nos ajudam a entender quais seriam as peculiaridades do Realismo Socialista. A partir das obras representativas deste modelo estético, acabamos por nos perguntar por que os ditos representantes de um governo operário, durante os anos do stalinismo, foram tão reacionários em arte? Acreditamos que a resposta passa exatamente pelo problema da burocracia stalinista: se a revolução, que deve emancipar os trabalhadores em todos os sentidos, não é entendida no campo da arte, ela não pode ser entendida no campo político: um modelo estético que anula as contradições da realidade e sufoca a criação, condiz com os interesses de um governo autoritário, incapaz de assegurar o desenvolvimento de uma cultura revolucionária.
 O stalinismo concebeu a arte como uma força tarefa: enquanto " engenheiros de almas ", os escritores e artistas não criam mas executam o que o governo exige. Mas que alma está sendo construída? A partir desta pergunta surgem outras perguntas:

1- O que diferencia um artista de um burocrata?

2- Como o gosto popular e a necessidade de inovação formal podem coexistir num filme?

3- Será que uma obra de arte deve ser fiscalizada por " revolucionários "?

4- Um artista pode ocultar em sua obra um ponto de vista reacionário?

5- Cabe a um partido representante do proletariado debater ou censurar?

6- Será que basta substituir o herói burguês por um suposto herói proletário?

7- Quais seriam as particularidades históricas da criação artística num Estado operário?

Convidamos os militantes de esquerda a debaterem conosco estas perguntas.

domingo, 14 de agosto de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 31

Conceituar o que foi, o que talvez seja e o que pode ser arte revolucionária, é uma ação intelectual fundamentada no fato de que a criação artística é um ato transformador, inevitavelmente ligado(em sintonia) com um projeto político anticapitalista. Este posicionamento insere a dimensão estética numa perspectiva que julga o conhecimento como algo destinado a provocar transformações na consciência. No Brasil de hoje isso chega a soar como algo fora da lei. Não é pra menos: uma enxurrada conservadora procura não apenas despolitizar os contextos em que se produz e debate arte(escolas, universidades, centros culturais, etc) mas demonizar ou até mesmo criminalizar artistas e intelectuais que não aceitam um sistema baseado na exploração e na alienação. É exatamente este contexto reacionário que nos obriga a refletirmos sobre os erros históricos da esquerda, ou pelo menos da esquerda que historicamente apresentou-se como majoritária.
  No campo artístico, estamos propondo uma reflexão sobre os erros do Realismo Socialista, exatamente porque a nova geração de militantes deve formar suas convicções estéticas numa perspectiva oposta a do jdanovismo . O Realismo Socialista não é nem realista e nem socialista. Não é realista porque suprime as contradições da realidade em prol de uma visão folhetinesca, de um discurso nacionalista que exalta de modo idealista o proletariado e os feitos de uma direção política atrelada ou próxima ao stalinismo. Não é socialista porque a arte socialista além de não existir( e nem poderia surgir num passe de mágica) não pode ser monolítica, mas como frisamos na edição anterior, deve ser necessariamente plural. Portanto colocar o jdanovismo em questão não significa chutar cachorro morto, mas estudar uma produção que nos ensina a entender o que não é arte revolucionária. Precisamos deste juízo crítico para lutar, até porque o clima político no nosso país tem levantado o que existe de pior no pensamento conservador.
Enquanto os militantes de esquerda não debaterem seriamente e em larga escala questões artísticas, a cultura torna-se um espaço facilmente conquistado pela direita. Truculência somada aos clássicos delírios direitistas, resultam hoje em teorias da conspiração tais como o chamado " marxismo cultural "(esta expressão designa uma nova paranoia anticomunista: a cultura estaria sendo manipulada por comunistas " infiltrados " nas escolas, nos meios de comunicação, nos movimentos sociais, etc). Sem dúvida é muito fácil rebater pseudo-teorias como essa: o marxismo não manipula, não age às escondidas,  mas procura esclarecer, debater e transformar uma sociedade cujos problemas(fome, racismo, homofobia, intolerância, desemprego, etc) não foram criados por comunistas mas por capitalistas. Porém, o debate estético na esquerda ainda demonstra-se, salvo alguns poucos exemplos, muito rarefeito.
 Não se pode confundir arte revolucionária com fórmulas que retiram o movimento dialético da narrativa(literária ou cinematográfica) e reprimem pesquisas estéticas(na música e na pintura, por exemplo). Defender a liberdade artística é o oposto do liberalismo porque uma arte livre é aquela que capta pela antena da sensibilidade as contradições da sociedade capitalista. Os interesses históricos da classe trabalhadora exigem do artista uma entrega total, um espírito de aventura que busca novas experiências. Mas petrificando a expressão, o Realismo Socialista impossibilita todos os voos poéticos. No século passado isto foi claro: o suicídio de Maiakóvski, o enfarto de Eisenstein, o ostracismo de Vertov, a morte de Meyerhold, as calúnias que os surrealistas sofreram, a repressão da qual escritores como Patrícia Galvão foram alvo, são exemplos históricos que revelam os danos que o jdanovismo trouxe para as forças progressistas da arte.
  Se estamos dispostos a debater os erros do jdanovismo não é para estimular pesquisas de escaninho. Nosso objetivo é realizar  uma crítica que visa contribuir com a qualidade do debate estético na esquerda. Isto serve para nos fortalecermos num momento em que a direita, cada vez mais, deita e rola no campo da cultura.

domingo, 7 de agosto de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 30

Enquanto aquecemos os motores para a mostra de filmes Realismo Socialista, no MIS Campinas(a mostra terá seu início no próximo dia 27 de agosto), se faz necessário denunciar as falsas relações entre arte e marxismo estabelecidas historicamente pelos stalinistas. Tal denúncia pode não ser novidade para muitos marxistas esclarecidos, mas é sempre importante salientarmos para pessoas não totalmente familiarizadas com questões estéticas, que o Realismo Socialista não é arte revolucionária. Esta afirmação é a posição estética/política assumida pelo nosso blog, deixando claro que durante a mostra de filmes, estaremos abertos ao debate/diálogo junto aqueles que inclusive discordam de nós.
 Mas não seria exatamente a associação entre arte revolucionária e Realismo Socialista, que encontramos em documentários, reportagens e artigos fartamente difundidos pela mídia capitalista? Pois é, o esforço ideológico da intelectualidade reacionária, no Brasil e no mundo, funda-se em falsos princípios políticos: a tara liberal procura associar  marxismo com totalitarismo, arte de esquerda com propaganda rasteira. Estamos diante de um momento que exige definições, correções, conceituações. Visto que a produção cultural atrelada aos interesses e ao universo de valores do capitalismo, não consegue ocultar totalmente a miséria e a alienação, os discursos sobre arte revolucionária fazem do território estético um espaço que sonha ativamente com a construção de uma outra realidade histórica.
 Não existem decretos para a arte revolucionária. Entendida como um conjunto de experiências artísticas plurais que desaguam na condenação da civilização capitalista, a arte revolucionária não pode existir a mando de nenhuma estrutura burocrática. A diferença básica entre um artista militante e um garoto de recados de fórmulas artísticas, está na necessária e relativa autonomia do primeiro. A necessidade de afirmação humana que reside no impulso artístico criador não pode, a custo de neutralizar seu poder de fogo contestador, ser o cumprimento de uma ordem que visa beneficiar um órgão centralizador de poder. Talvez  a confusão que muitos fazem(e o proveito que muitos tiram desta confusão) esteja numa suposta centralização da cultura realizada pelo socialismo. Muito pelo contrário: o socialismo deve garantir a estrutura material necessária para uma arte livre, para uma cultura libertária, descentralizada. O comando interior do artista não apenas leva ao protesto contra o sistema capitalista, hostil à criação artística(aspecto este destacado por Marx), mas exige(quando o artista possui consciência política) uma alternativa política. O respeito às leis artísticas culminam na necessidade de uma outra organização política: é o socialismo, e não suas deformações burocráticas, que pode possibilitar o desenvolvimento das potencialidades humanas, da criação. Não é servindo de propaganda, como foi o caso do Realismo Socialista, que a arte contribui com a necessária transformação política.  
 O desconhecimento da dinâmica artística, ou pelo menos da maneira como o suporte técnico articula-se com uma expressão que revela a denúncia e a rebelião contra a presente ordem social, acarreta quase sempre no desencontro entre forma e conteúdo. O direito à pesquisa artística é um pressuposto para que a arte não se feche em uma linguagem que carrega as estruturas e os vícios da cultura dominante. Ou seja, não existe arte revolucionária com happy end, com uma simplificação maniqueísta tão ao gosto da indústria cultural. Contrariando a assertiva do poeta Maiakóvski, o Realismo Socialista desconsidera a forma revolucionária e gera um conteúdo que também não é revolucionário. Entretanto, é dentro da tensão entre elementos jdanovistas e elementos de vanguarda, que encontramos, como foi dito na edição 29, algumas manifestações artísticas que devem ser examinadas/problematizadas: cumpre a nós debatermos até que ponto tais obras cumprem um papel político progressista e até que ponto tornam-se expressões das imposições burocráticas do jdanovismo. Trata-se de um debate!
   Nas próximas edições, em sintonia com a mencionada mostra de filmes, tentaremos expor os erros, as confusões, as contradições e o retrocesso estético que o Realismo Socialista representou e representa para os artistas de esquerda.

domingo, 31 de julho de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 29

Ao longo do segundo semestre o nosso blog irá promover, no Museu da Imagem e do Som da Cidade de Campinas, uma mostra de filmes intitulada CRÍTICA AO REALISMO SOCIALISTA. Trata-se da exibição de obras que correspondem a um problemático período da história do cinema soviético: durante as décadas de 30 e 40, o controle burocrático do stalinismo sobre a cultura se fez esteticamente através do Realismo Socialista. Algum leitor deve estar se perguntando qual seria o sentido de remexer nas ideias embalsamadas de Jdanov. Guiando-se pela dialética, eixo dinâmico do pensamento marxista, nossa publicação coloca em questão a experiência desastrosa do jdanovismo com o intuito de analisar quais seriam suas particularidades, seus erros, suas influências e suas heranças dentro do imaginário da esquerda mundial. Certamente que esta investigação histórica, realizada sobretudo no campo cinematográfico, irá gerar entre os espectadores de esquerda os mais variados julgamentos críticos sobre o assunto.
  Não importa a corrente política que um militante de esquerda se encontre: se faz necessário conhecer/debater a presença do Realismo Socialista dentro da produção artística. Se defendemos a necessidade da arte revolucionária, é preciso observar atentamente quais foram as razões políticas que levaram o jdanovismo a ser tomado por alguns(e por tanto tempo) como sinônimo disso. Dentro do marxismo, a compreensão dos elementos estéticos que constituem o Realismo Socialista, é atravessada por concepções teóricas capazes de pensar criticamente quais seriam as complexas relações entre arte e socialismo. Da crítica trotskista à crítica lukacsiana, da crítica frankfurtiana à crítica da new left, encontramos num amplo arsenal teórico instrumentos que devem apresentar para um público progressista este problema. Acreditamos que este debate, iminentemente marxista, deve se fazer inclusive dentro do cineclubismo.
 Ao exibirmos e comentarmos alguns dos filmes russos realizados segundo a perspectiva jdanovista, não realizamos apenas uma reflexão cinematográfica: o cinema torna-se um ponto de partida específico para analisarmos as implicações de um programa estético que teve longa duração em nossa história recente. Desde sua oficialização no I Congresso dos Escritores Soviéticos em 1934, o Realismo Socialista teorizado por Gorki e Jdanov tornou-se uma imposição burocrática dentro da política cultural da esquerda majoritária: literatura, pintura, escultura, artes gráficas, teatro , cinema e outros ramos da produção artística foram submetidos a este modelo. Produto cultural da tese stalinista do " socialismo em um só país ", o Realismo Socialista apresentava-se como parte de um projeto educacional para o proletariado : o culto à personalidade, a glorificação do chamado " herói do trabalho " e o nacionalismo estão entre as características de um projeto estético que, suprimindo a liberdade formal e banindo as técnicas de vanguarda, atendeu aos interesses políticos mais imediatos do Estado soviético: da propaganda aos planos quinquenais de Stálin  até a exaltação dos feitos do Exército Vermelho e da resistência do povo russo durante a Segunda Guerra Mundial(1939-45). 
 Tendo em vista que a estética do Realismo Socialista obteve projeção internacional dentro das organizações de esquerda durante o século passado, resta saber como ela é encarada hoje por militantes, cinéfilos e artistas socialistas. Cabe salientar que uma análise dialética no campo estético não se baseia nem na idolatria e nem na cega fulminação de obras de arte. Foi exatamente o movimento dialético na produção artística de esquerda que permitiu, em alguns casos, as mais variadas contradições formais entre a arte que se quis crítica/revolucionária e o Realismo Socialista. Diante do atual momento marcado pelo conservadorismo político, é comum encontrarmos teóricos e historiadores que confundem intencionalmente arte revolucionária com o Realismo Socialista. O intuito destes intelectuais é juntar e jogar tudo nas latas de lixo da história. De nossa parte, não jogamos nenhuma obra de arte no lixo: enquanto marxistas, observamos, estudamos, corrigimos, denunciamos e aprendemos com os encontros e desencontros entre arte e revolução. 
   
 

domingo, 24 de julho de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 28

As necessidades expressivas condicionadas pelo desenvolvimento técnico, estiveram irremediavelmente no século XX ligadas às revoltas estéticas da arte moderna. Ao revelar a crise e as contradições da cultura burguesa, o artista moderno abria um campo sensorial que muitas vezes sugeria a Revolução política enquanto saída concreta para os impasses históricos do capitalismo. Mas num belo dia ensolarado do final do século passado, quando reacionários saíram para passear e impedir a marcha da história, alguns pensadores anunciaram o enterro da modernidade artística. Nesta tentativa de sepultamento, não apenas os programas de vanguarda mas a energia utópica  e o papel revolucionário do proletariado foram atirados na mesma vala. Se não vivemos mais uma época de rupturas estéticas, a arte ainda está longe de superar sua crise. Se o capitalismo tenta cooptar a classe trabalhadora, ilusoriamente integrando-a aos bens de consumo, a miséria e a exploração ainda são fatos sociais. Portanto, arte e proletariado ainda representam possibilidades concretas de luta pela emancipação humana.
 Sabemos que historicamente existiu uma afinidade entre arte de vanguarda e socialismo revolucionário. Isto foi visível, por exemplo, na Revolução russa de 1917 e na tentativa frustrada da Revolução alemã de 1918. O totalitarismo político encarnado no fascismo e no stalinismo conseguiu duramente muito tempo destruir estes laços progressistas: a barbárie estética dos nazistas e o Realismo Socialista conseguiram reprimir os impulsos libertários da modernidade artística. O século XX deixou heranças reacionários e heranças revolucionárias, tanto no campo político quanto no cultural. Quais heranças andam falando mais alto? Atualmente, observamos no Brasil e no mundo um surto direitista que pretende varrer de nossa subjetividade qualquer projeto ou possibilidade para se pensar/sentir uma outra realidade. Bloqueando as forças políticas e culturais que realmente podem transformar a realidade, um amplo movimento conservador ameaça no mundo as principais conquistas da modernidade: liberdade expressiva, liberdade sexual, direitos das minorias e principalmente a existência de uma agenda socialista no movimento dos trabalhadores.
 Para se responder a este processo conservador, representado pelo que há de mais atrasado nos campos partidário, religioso e também artístico(neste último campo, nos referimos particularmente aos atuais fenômenos da indústria cultural), precisamos trabalhar. Artistas e intelectuais que enxergam na liberdade não apenas um valor mas um motor fundamental do humano, precisam ocupar os espaços da cultura com realizações. Reler as conquistas vanguardistas e desmascarar a ideologia liberal, são passos importantes para mostrarmos que a história não é um túmulo mas uma possibilidade de libertação total. Criar/falar em arte revolucionária, por exemplo, está longe de ser nostalgia: é uma necessidade histórica.

quinta-feira, 21 de julho de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 27

 Não é segredo que a atual onda reacionária atinge também a cultura. Trata-se do velho território de valores, práticas e representações que fundamentam a existência da classe dominante. As contradições do capitalismo em escala global, fazem com que a opinião pública conduzida pelas burguesias procurem trancar a arte numa redoma de vidro. Instalando um alarme de segurança na estética ou colocando tornozeleiras eletrônicas na expressão, o sistema pretende condenar a arte a uma espécie de inutilidade, existindo como uma exótica mercadoria. Hoje no Brasil, nos EUA e em alguns países europeus, a ação artística em seus aspectos mais ousados e contestadores é intimidada por um cotidiano castrado, fechado para maiores voos poéticos.
 De fato, a arte tomada como luxo espiritual é uma refugiada no reino da cultura: num mundo atravessado pela fome, pela violência urbana, por atentados, pelo fanatismo religioso e por um crescente conservadorismo político, qual seria a relevância da criação artística? Pensamos que a arte colocada numa redoma de vidro é uma resolução da cultura dominante. Diferentemente do que muitos pensam, defendemos uma concepção estética em que a arte é um elemento vivo, que participa das lutas pela emancipação humana. Não se trata de realizar obras de arte tomadas por um sentimento de bobo alegre, sonhando com a paz mundial trajando roupas de marca. Enquanto resposta ou ao menos como sintoma político, a arte deve ser uma prática de oposição aos fundamentos econômicos, políticos e morais da sociedade burguesa.
 A arte só pode restabelecer sua veracidade, sua importância, seu sentido pleno, se ela atuar por uma outra realidade: a criação artística não aceita o rotineiro, não incrementa uma ordem social na qual a opressão impede a beleza em seu caráter iminentemente libertário. Portanto, se os artistas não reconhecerem o destino político da arte do nosso tempo, estarão fadados a se autoflagelarem ou simplesmente se autodestruírem nos limites do próprio ego. Cabe salientar, mais uma vez, que a tomada de consciência sobre o problema político não faz da arte uma serva da esfera política: a arte atua politicamente enquanto arte.  Num momento em que as questões de segurança tornam-se mais importantes que  comida e  saúde,  os artistas devem revelar/denunciar a insegurança oculta dos discursos que fundamentam um sistema opressor.

domingo, 3 de julho de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Ed 25/26

Se Karl Marx não foi propriamente um esteta, ninguém pode, por mais reacionário que seja, negar que o materialismo dialético operou uma profunda transformação no pensamento estético contemporâneo. Tal transformação não se deve tanto ao profundo conhecimento que Marx possuía em relação à literatura e às artes(aliás, tanto Marx quanto Engels possuíam folego de críticos literários), mas à ruptura com as estéticas idealistas. É claro que o marxismo não é o único termômetro filosófico progressista para analisarmos os problemas artísticos. Entretanto, é o marxismo o caminho mais eficaz para estabelecermos o entendimento quanto ao significado das obras e dos movimentos artísticos ao longo da história.
 O método marxista não leva ao empobrecimento da análise artística: ele a situa concretamente, concebendo a criação artística como fruto de uma necessidade particular. A expressão, a afirmação humana não nascem de um pincel transcendental. É a partir das relações dialéticas entre sujeito e objeto, que a riqueza humana é revelada. Portanto não é o Belo desencarnado, que nega a realidade material/histórica da arte. Não são discursos que vagam pelo ar, desconectados da realidade econômica e política. A arte vem do homem e para o homem:  a arte explicita a força criativa. Quer dizer, a arte não vem de um reino encantado, de uma inspiração divina ou embriagada: a experiência estética não pode ser explicada nem pelo espírito e nem pelas qualidades formais de uma árvore ou de uma paisagem. Dentro de uma relação humanizada com a natureza, o homem cria porque é obrigado a definir a si próprio no mundo. A embriaguez da arte possui raízes materiais.
 Marx não poderia deixar de observar o quanto o sistema capitalista é hostil à arte e à poesia. Não é pra menos: no modo de produção capitalista, impera o trabalho alienado. Neste sentido, a criação artística é um ato politicamente perigoso, que fere o controle sobre a percepção da população. Não é tanto o conteúdo ideológico das obras de arte, mas o que a criação artística pode despertar em seres mutilados pela mesquinha necessidade do dinheiro. Sem dúvida que a ideologia é um dado central na análise marxista; mas a ideologia revolucionária não esgota ou resume o que a arte tem de revolucionário em si mesma. Se a arte pela arte é , sem dúvida, uma doutrina burguesa, a arte que se quer revolucionária não envolve apenas um comentário político: é isso, pode ser isso e muito mais.
 A partir da sua relativa autonomia, a arte é fundamental para a classe operária porque ela apresenta um ponto de vista específico sobre o humano. Se a filosofia e as ciências humanas explicam a realidade, os seres humanos não se expressam, não criam livremente a partir delas as imagens que traduzem suas experiências sensíveis. A arte é uma aliada independente da luta política; e quem quiser saber aonde pisamos não deve se afundar no idealismo, mas numa leitura materialista, histórica e dialética que só o marxismo oferece.

domingo, 26 de junho de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 24

Cinema revolucionário é coisa de meia dúzia de espectadores iniciados no marxismo, ou é algo destinado ao proletariado? Esta antiga pergunta se fez presente ontem durante a penúltima edição do ciclo de filmes GLAUBER+GODARD, no Museu da Imagem e do Som da cidade de Campinas. A exibição do filme Vento do Leste(1970), de Jean Luc Godard, suscitou uma importante discussão sobre o significado(sobretudo hoje) do cinema político. O fato dos movimentos sociais da atualidade expressarem suas inquietações políticas inclusive no plano audiovisual(dado este abordado na edição 20 e que consideramos vital para se pensar o futuro do cinema militante), coloca novamente em questão a maneira como podemos definir o cinema revolucionário. No bojo dos debates estéticos da década de 60, Glauber Rocha e Jean Luc Godard radicalizavam no início dos anos 70 seus projetos cinematográficos, concebidos enquanto intervenções sobre a realidade política. Entretanto, tudo indica que o cineasta brasileiro e o cineastas francês divergiam sobre a maneira como a linguagem cinematográfica se faz nos países capitalistas pobres.
 Apesar do Vento do Leste ser ainda um filme pouco discutido/conhecido, ele é constantemente lembrado pela participação de Glauber: uma cena traz o brasileiro numa encruzilhada cantando o refrão da canção Divino Maravilhoso, de Caetano Veloso(canção esta que foi magnificamente interpretada por Gal Costa). Uma moça pergunta a Glauber qual seria o caminho do cinema político. A definição do cinema político ganharia contornos polêmicos:  Glauber mostra que existe um caminho específico para o cinema do terceiro mundo. Que caminho seria este? Curiosamente o projeto cinematográfico de Glauber possui uma perspectiva política que diverge do " maoismo iconoclasta " de Godard. O francês teria dito a Glauber que os cineastas brasileiros deveriam destruir o cinema. Ainda segundo Godard, os brasileiros estariam num momento ideal para realizar um cinema revolucionário, mas ao invés disso faziam um " cinema revisionista ", dando importância ao drama e ao espetáculo.
 Em resposta, Glauber Rocha teria dito que a destruição do cinema poderia ser feita na França ou na Itália, mas não no Brasil. Glauber concebe o sentido histórico do cinema brasileiro no rumo da construção e não da destruição. Preocupado com a linguagem, a estética e a técnica, Glauber acreditava que, naquele momento, o cinema brasileiro só poderia participar do processo de libertação nacional, levando em conta o público popular e não apenas uma pequena parcela de militantes. Ainda que houvesse sintonia estética e política entre ambos os cineastas, Glauber apresenta um ponto de vista que vai muito além do sectarismo maoista de Godard: mergulhado nos chavões políticos reducionistas da Revolução Cultural Chinesa, Godard militava no interessantíssimo grupo Dziga Vertov, realizando filmes em que " destruir a cultura burguesa ", implicava também em destruir  as bases da linguagem do cinema convencional, daquilo que era chamado de " cinema revisionista ". Sendo o filme Vento do Leste, expressão desta fase da cinematografia de Godard, os cineastas militantes de hoje acabam por questionar: a quem destina-se, qual seria o alcance e como definir o cinema revolucionário?
 Feitas reservas quanto às generalizações de Godard, que importa o discurso marxista simplificado/deformado de Mao Tsé Tung para o interior do cinema político europeu, é preciso considerar as contribuições estéticas deste cinema: a tentativa, ainda que precipitada mas não menos criativa, de aplicar os conceitos do materialismo dialético na linguagem cinematográfica, potencializando formas de raciocínio visual, desconstruindo a gramática da linguagem burguesa e realizando assim um ensaio cinematográfico de caráter marxista. Este é um cinema importante: ele se comunica com militantes que apresentam previamente formação política e estética(o que permite inclusive que tais militantes possam divergir da maneira como Godard relaciona a arte com o marxismo). Entretanto, este não é o único caminho do cinema revolucionário: naquela encruzilhada em que Glauber Rocha estava, podemos concluir que um cinema revolucionário, portanto identificado com o marxismo, possui caminhos a serem trilhados. O desafio de se comunicar com o público popular sem cair em paternalismo, sem recorrer às grotescas fórmulas do realismo socialista, talvez seja o maior de todos os desafios.  

domingo, 19 de junho de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 23

Escrever é agir, é interferir sobre a consciência do leitor. Este fato não apenas aproxima a literatura da política, mas exige uma reflexão estética sobre a maneira como o texto literário participa da realidade social. A compreensão de que a literatura não é um exercício inocente, alavancou durante o século passado inúmeros debates entre escritores de esquerda. O escritor não seria aquele recreador do mundo das letras, um mero detalhe na cultura, uma celebridade que atrai em sua órbita paparicos, ovos babados e um mar de mãos que puxam o saco. Enquanto intelectual, o escritor assumia-se muitas vezes como militante político: é a luta pela libertação que estava em jogo. Acreditamos que este papel revolucionário do escritor, precisa ser pensado e debatido hoje; afinal o sistema capitalista continua massacrando a vida da classe trabalhadora.
 Sabemos bem que o imperativo político em literatura pode resultar em verdadeiros desastres. Por mais nobre, por mais necessário que possa ser o assunto político, a literatura não é uma serva da política. A obra literária é por si mesma uma chama política, um fermento verbal, uma experiencia que contribui com a maneira como o leitor compreende o contexto histórico no qual ele está inserido. Ou seja, a tomada de consciência sobre os problemas sociais, é um percurso no qual a literatura traz uma contribuição específica. Não é tanto o poema ou o romance que " despertam " a consciência crítica. Ambos são forças culturais que não podem estar isoladas, mas integradas aos movimentos que lutam pela emancipação do homem numa sociedade atravessada pela exploração e pela alienação.
 A maneira como a literatura participa da vida social, só pode ser pensada a partir da própria obra literária: o estilo, os recursos de linguagem, o temperamento do autor e outros elementos que nutrem a composição do texto, não são detalhes encerrados na técnica literária. Enquanto esforço estético interessado, a literatura abarca o caráter político de acordo com as suas especificidades artísticas. O impacto estético da obra literária conta e muito: ainda que um poema não fale sobre miséria social, a violência verbal e as imagens arrebatadoras do poeta, podem não rimar com a ideologia da classe dominante. Um romancista pode não falar diretamente sobre socialismo, mas sua prosa é capaz de revelar de modo explosivo a tensão máxima da luta de classes.
  Outro aspecto a ser considerado pelos escritores de esquerda, é a necessidade da obra literária estar inserida na realidade cultural do proletariado. Criadas a partir dos meios de produção culturais apropriados pelos trabalhadores(de uma gráfica popular até uma publicação digital em que escritores e militantes agem diretamente sobre), as obras literárias deixam se ser objetos de luxo e passam a ser parte do cotidiano da classe trabalhadora.  É por estas e outras que o escritor é tão necessário quanto o militante político clássico.

domingo, 12 de junho de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 22

Fruto direto das inquietações políticas de Junho de 2013, a criação de cartazes acentua uma importante perspectiva estética/política nos dias que correm. Se os desdobramentos de 2013 foram em boa parte canalizados pela direita, é dentro das iniciativas da esquerda que encontramos elementos visuais definidores de uma nova arte de combate. Os cartazes em questão, possuem uma tremenda capacidade expressiva que atinge em cheio o espaço público.
 Na cidade de São Paulo, por exemplo, são visíveis cartazes cujo humor e perspicácia política temperam interessantíssimas experiências gráficas. A crítica mordaz envolve a conjugação entre figura e palavra: o governo interino, a grande mídia, o imperialismo norte americano, a intolerância da classe média, são ora parodiados, ora atacados. Nenhum setor reacionário da sociedade contemporânea, parece escapar das críticas visuais de uma produção engajada e ao mesmo tempo desencanada de glorias e paparicos próprios das grandes instituições artísticas.
 Nas artes gráficas praticadas por artistas militantes, não está a ilustração da realidade mas a ilustração que nasce no plano do cartaz para agir politicamente sobre a realidade. O grande barato do cartaz é seu efeito comunicativo direto sobre as massas: a exemplo de um anúncio publicitário ou de uma revista em quadrinhos,o cartaz exprime diretamente situações que são comunicadas na mesma velocidade com que o sinal de trânsito se abre. É uma experiência estética essencialmente urbana, ligada à vida da pólis: é portanto uma avançada forma de participação artística na vida política.
 Estes cartazes capturam o olhar alienado de um transeunte: diferentemente do apelo comercial que impera nas imagens que infestam os grandes centros urbanos da atualidade, o cartaz militante é um convite poético para a reflexão social. É importante que se diga: esta produção militante possui raízes visuais nas criações gráficas do século passado. Como já frisamos anteriormente neste mesmo periódico, artistas e coletivos culturais de esquerda dos nossos dias, inspiram-se esteticamente na produção gráfica do Construtivismo russo, na arte de agitação e propaganda dos revolucionários durante a Guerra civil espanhola(1936-1939) e principalmente no teor libertário dos cartazes do Maio de 68. Não por acaso, este último evento histórico parece ser decisivo enquanto influência:  existe uma notável sensibilidade Pop, própria dos anos 60, nos atuais cartazes. É do solo Pop que nasce a parodia e o tratamento visual dado aos principais impasses políticos do Brasil de 2016. Esperamos que esta produção tenha uma longa duração militante.

domingo, 5 de junho de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 21

Durante o século passado, o processo de modernização pariu sons estridentes. Num mundo cada vez mais chacoalhado por greves operárias, guerras imperialistas, revolta juvenil, lutas das minorias, mercantilização da vida e uma série de transformações tecnológicas, qual seria a roupagem da música popular? Jogando esta melódica peteca para os dias atuais, ficou difícil neste início do século XXI pensar os caminhos da canção no Brasil e no mundo.
 O fato é que os novos processos tecnológicos de produção, execução, gravação e circulação de música, contribuem para implodir barreiras estéticas. E não são apenas barreiras entre gêneros musicais, mas entre o regional e o cosmopolita, o nacional e o internacional, o público e o privado. Mas na mistura musical que contribui para a superação de limitações formais, existe não apenas o velho grilo do comercio(que padroniza, produz músicas em série e estabelece uma relação alienada entre músicos e público) mas um empobrecimento da relação da população com a música: nunca existiram tantos fones de ouvido, com tantos sons paralelos; ou seja, a diversidade musical se resume ao gosto pessoal, a um dado individualista.
 Num amplo e fragmentado cenário musical, as implicações politicas da música, concebida enquanto forma de participação/intervenção na realidade social, assumem formas mais complexas, mas não deixam de existir. É impressionante como as matrizes do punk e da cultura hip hop ainda alimentam, em alguns casos, jovens politicamente inconformados: as estéticas que estas matrizes revelam não apenas não desapareceram mas se fazem presentes como elementos que definem uma atitude rebelde, de hostilidade à cultura dominante. Estas não são as únicas matrizes que se desdobram nas práticas musicais do mundo contemporâneo. Mas se fossemos refletir sobre o que ainda amarra politicamente o canto que protesta, então o dado da estridência musical ainda se confirma.
  Apesar das deformações comerciais, o barulho, a agressividade ainda são qualidades das formas musicais que exprimem a revolta contra o status quo. Não que isto seja um pressuposto necessário: um samba suave, uma discreta seresta ou a simplicidade da folk song, podem abarcar uma violência poética claramente revolucionária. Aliás, o barulho, a estridência musical vem sendo cada vez mais banalizado: num planeta digitalizado e feito de incontáveis ruídos, nem sempre a música mais barulhenta é a mais politicamente eficaz. De qualquer modo, as discussões sobre as relações entre música e política não podem deixar de ser parte do cotidiano da militância de esquerda.   Estridente ou suave, o fato é que a música popular é um componente cultural/político vital.

domingo, 29 de maio de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 20

No último sábado(dia 28/05) ocorreu no Museu da Imagem e do Som da Cidade de Campinas, mais uma edição do ciclo GLAUBER+GODARD. Ao colocarmos em relevo as relações e as diferenças entre as cinematografias do brasileiro Glauber Rocha e do francês Jean Luc Godard, nos deparamos com um processo de radicalização estética que no final dos anos 60 e início de 70, culminou em vigorosas expressões de um cinema de guerrilha. Ontem após a exibição do longa O Leão de 7 Cabeças(1969), de Glauber Rocha, ocorreu um debate interessantíssimo em que os elementos estéticos do filme foram colocados/problematizados como necessidades a serem relidas e incorporadas ao atual contexto. Se um cinema que abra frentes de luta na cultura, era o que Glauber e Godard propunham, hoje esta ideia pode ser relida e incorporada a uma nova realidade técnica e política em que o audiovisual é realizado.
  As possibilidades históricas para a realização de um novo cinema político no Brasil de hoje, são inúmeras. Partindo das novas tecnologias digitais, estudantes e trabalhadores registram/filmam suas lutas: o resultado político de uma manifestação ou de uma passeata se multiplica quando outras pessoas assistem ao que se passou. Temos assim um primeiro dado, que é a compreensão/apropriação dos novos meios de produção(a câmera) que são utilizados num sentido progressista. O segundo dado, mais complexo e que sempre insistimos, envolve a necessidade de referências estéticas que permitam o desenvolvimento da linguagem destas novas experiências audiovisuais. Portanto, quem quiser saber qual é o futuro ou quais são as tendências dentro do cinema brasileiro, não procure dentro dos formatos tradicionais e nem nas instituições cinematográficas; procure observar o campo imagético que se abre no trabalho dos jovens militantes que seguram a câmera em punho.
 Naquilo que tange o referencial estético, é muito interessante observar que uma pequena, porém significativa, parcela da juventude está de saco cheio da previsibilidade do cinema comercial. Tem gente interessada em concepções cinematográficas que rompam com a linearidade de origem naturalista. Estes militantes de câmera na mão, buscam na história do cinema brasileiro os momentos de ruptura e inovação. A vontade de conhecer o Cinema Novo e o Cinema Marginal, por exemplo, representa a necessidade de uma outra gramática audiovisual, marcada pela invenção, pela criatividade do cineasta que deve ser entendido como autor(tal como o escritor e o pintor, por exemplo).
 Esta novíssima geração tem tudo a ganhar com concepções estéticas uteis para a elaboração de uma linguagem audiovisual que se diferencie do cinemão, da telenovela e do telejornalismo dominante. Voltando ao mencionado filme O Leão de 7 Cabeças, podemos observar que Glauber anuncia de modo original uma síntese de influências revolucionárias: o processo dialético de Eisenstein, o teatro de Brecht e a radicalização da desconstrução cinematográfica empreendida por Godard, são elementos utilizados por Glauber numa proposta estética que possui hoje uma incrível capacidade de comunicação. Tá aí um filme que a juventude brasileira interessada em filmar/militar precisa conhecer.

domingo, 22 de maio de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 19

Protestos de artistas, intelectuais e movimentos culturais marcaram a última semana. A tentativa do governo interino de reduzir o Ministério da Cultura a uma secretária subordinada ao Ministério da Educação, gerou um amplo e legitimo descontentamento entre profissionais das áreas teatral, cinematográfica, musical, etc. Ainda que o governo tenha recuado e o Ministério da Cultura tenha sido restabelecido, para nós o problema da cultura no Brasil depende de uma resolução política intimamente ligada a um outro projeto de sociedade. De fato, os recursos que o governo oferece para viabilizar importantes atividades culturais hoje, são direitos dos artistas e produtores de cultura no país. Entretanto, a realização de projetos artísticos e o pleno exercício da criação estarão sempre fadados a ficar, neste modelo de sociedade, no final da fila: a política cultural no sistema capitalista é a raiz do problema.
 É fundamental que a produção artística brasileira seja plural, assuma múltiplas formas, temas e expresse um país que definitivamente não é o retrato do gosto e da identidade da burguesia nacional. Mas para que esta diversidade cultural possa definitivamente expressar-se e viver do seu trabalho artístico, se faz necessário que artistas, intelectuais e movimentos culturais indaguem-se cada vez mais sobre o tipo de organização econômica e política que determina no Brasil o espaço que a arte ocupa na produção. Basta adquirir verbas ou incentivos para que o artista siga feliz e realizado num país de famintos? O que um filme ou uma peça teatral realmente tem a dizer sobre um país com 11 milhões de desempregados e com um sistema educacional que ofende/oprime a juventude ? A resolução destes problemas depende mais das ações dos trabalhadores, artistas e estudantes do que dos ministérios da Fazenda e da Educação.  Para nós o artista brasileiro, independentemente se suas escolhas estéticas, existe num país em que a obra de arte não pode ser um simples deleite de consumo.
 O Estado é responsável por projetos culturais que interessam à sociedade brasileira. Devemos, é claro, pressionar este Estado para que ele ofereça suporte material para a cultura. Mas enquanto antenas que captam uma época, os artistas precisam ir mais longe... Eles precisam fazer uma opção de classe: se estes artistas se colocam ao lado da maioria da população, então a realização do seu trabalho não depende apenas de verbas, mas de uma ação militante que contribua para esclarecer, agitar e ampliar o horizonte da classe trabalhadora. Sob estas circunstancias militantes, o artista assume sua posição histórica de trabalhador da cultura(ainda que ele tenha que muitas vezes passar apertado, fazendo bicos e exercendo outros ofícios, ele cria na marra e em nome de um movimento histórico mais amplo). Sem dúvida que é preciso lutar e exigir de um governo capitalista verbas necessárias para a viabilização concreta de obras e ideias. Mas esta necessária batalha, como aquela da semana passada, precisa ser parte de uma luta maior: é a luta dos artistas que participam do processo político que deve emancipar a classe trabalhadora.

domingo, 15 de maio de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 18

A liberdade em arte é um assunto ultrapassado? Se levarmos em conta que as experiências estéticas presentes na arte moderna e na arte contemporânea viraram no avesso as possibilidades expressivas mediante as transformações técnicas, não existem propriamente entraves na criação (pelo menos no ocidente). O mesmo poderia ser dito em relação à literatura, que ultrapassou as barreiras entre o poema, a prosa e a fala coloquial/popular. Entretanto, apesar destas conquistas históricas feitas com base na ousadia e no consequente escândalo, artistas ainda sofrem repressão. Esta repressão se dá geralmente quando as manifestações artísticas varam os limites institucionais da arte e tornam-se provocação, crítica radical e protesto contra aquilo que é.
 O que fazer com as conquistas estéticas do século passado? Se qualquer objeto existente(como uma lata de sopa ou uma pedra) quando retirados do seu contexto originário torna-se obra de arte, será que tudo e nada podem ser arte? A questão é bem mais complexa do que aparenta ser:  não é a obra em si, o objeto artístico que a exemplo de tudo o que existe pode ser uma mercadoria. O eixo libertário da questão está num tipo de atitude em relação à realidade; uma atitude(irônica, de estranhamento) que se esforça para estabelecer uma relação crítica e em alguns casos de revolta contra o que é estabelecido pelo capitalismo. Seria isto um reducionismo ideológico que não dá conta da complexidade da arte contemporânea? Não, pois uma análise reducionista seria aquele que crê no fato da arte resolver por si mesma a sua crise e o seu sentido no mundo atual. A arte não pode, a custo de se tornar mais um cacareco que nos cerca, deixar de existir fora das preocupações políticas.
   Marx comprovou que o capitalismo é essencialmente hostil à criação artística. Num sistema em que tudo e todos são coisas, são mercadorias, criar é no mínimo um ato de insubordinação, de transgressão. O fato da arte estar subordinada a lei geral da produção mercantil, ameaça a sua existência enquanto trabalho superior ou enquanto esforço interessado em atender as necessidades de expressão/comunicação dos indivíduos. Portanto, o que realmente dá sentido à criação artística do nosso tempo é a revolta, é um desejo de libertação de um modo de produção embasado na alienação e na exploração. Ok, nem todos os artistas precisam ser necessariamente de esquerda: tratar de questões políticas ou posicionar-se no campo filosófico do comunismo, são questões que dependem de formação política, de um entendimento sensível acerca da necessidade de transformar politicamente a realidade. Ninguém é obrigado a fazer isso. Mas como nenhum artista está acima da história, cabe a ele entender o seu trabalho mediante uma realidade concreta, cujo papel da arte é o mesquinho horizonte  da compra e venda.

domingo, 8 de maio de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 17

Hoje no Brasil, não é apenas a memória das lutas políticas da esquerda que é ameaçada pela onda direitista. As formas de crítica e resistência cultural são ameaçadas por uma propaganda rasteira: equipada com poderosos meios de doutrinação capitalista, esta propaganda visa menosprezar obras de arte e reflexões artísticas que exigem o fim das formas de opressão e castração da sociedade burguesa. Definitivamente não é hora de baixar a guarda: insistir numa arte que possa contribuir politicamente com a tomada de consciência sobre os problemas fundamentais do nosso tempo, significa preservar um espaço crítico que não aceita o bloqueio ideológico comprometido com a tentativa de forjar um mundo " unidimensional  ".
 Não existe nada de quixotesco em defender projetos estéticos contrários à ordem política estabelecida. Se faz necessário separar no campo da militância cultural as manifestações infantilmente idealistas das práticas que situam corretamente as implicações políticas da arte. Muita gente confunde ativismo com erupções narcisistas dignas de literatos. Por outro lado, o entendimento marxista das questões literárias e artísticas não é uma fria confirmação estética de conceitos científicos. A arte traz uma contribuição específica na luta política: resta não confundir a criação artística com a mera aplicação mecânica da Economia Política.
 Os artistas e militantes da cultura em geral, precisam compreender a origem materialista da arte para assim pensa-la mediante a realidade concreta. A obra de arte ou se quisermos de modo mais amplo, os fatos estéticos, não são nem o espírito que paira e nem manifestações flutuantes da linguagem. A arte é um esforço de afirmação e plenitude humana. Criar implica numa relação dialética entre sujeito e objeto: a síntese artística é um produto histórico determinado. Ao contrário do que um artista que surfa na estratosfera possa imaginar, a arte para o marxismo não é uma extensão imagética dos problemas do estômago; isto é, da miséria gerada pelo capitalismo. Não, a arte é um voo que possui raízes materiais: as asas do artista, sua elaboração livre da expressão artística, são gestos criadores que ameaçam os capitalistas que visam reduzir nossas vidas às imposições do capital. O artista militante sabe que criar no mundo atual significa promover a destruição de tudo aquilo que nos oprime.
   

domingo, 1 de maio de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 16

Qual é a imagem do proletariado neste 1 de maio de 2016? Pintura, poesia e fotografia agregam potencialidades expressivas que sempre fortaleceram a resistência, a união e a solidariedade entre os trabalhadores do mundo inteiro. Porém, embora a classe operária ainda seja a força motriz do modo de produção capitalista, existe um esforço reacionário para borrar o rosto do trabalhador através da tentativa de destruição dos seus históricos laços políticos. Além da fragmentação do espaço social do trabalho, que culmina no chamado capitalismo de serviços, existe toda uma transa ideológica montada pelo sistema: o sonho de fazer parte da classe média é uma ilusão alimentada por estéticas que possuem uma função política prática; ou seja, as imagens da luta de classes são substituídas pelas imagens do consumo e da alienação. Mas, as manifestações visuais do capital possuem pés de barro: no Brasil, por exemplo, a grave crise econômica desmonta as imagens alienantes.
 Qualquer artista que deseje criar uma imagem que se relacione com a sociedade brasileira dos nossos dias, não pode ignorar mais de 10 milhões de desempregados. Da mesma maneira que um verso não pode deixar de falar em lamento e inconformismo, uma foto não pode esconder uma criança faminta. Quando se pergunta sobre o tipo de arte que poderemos realizar no Brasil de hoje, a única resposta passa por um grito enfurecido que carrega todas as dores do nosso proletariado. Não é um grito passivo, derrotista ou ainda retocado pelo sentimentalismo barato. Em termos artísticos este grito é um protesto que precisa se converter numa força política: as imagens definitivas que plasmam o Brasil de 2016 não podem ser a da classe média verde amarelista  sedenta por repressão política e defensora do conservadorismo. As imagens historicamente necessárias são as imagens dos trabalhadores em luta.
 O 1 de maio é uma data em que poemas, vídeos de agitação, canções e as mais variadas obras de arte confirmam esteticamente a necessidade de transformar a realidade. A obra de arte transfigura a realidade para contribuir politicamente com as forças que podem transforma-la concretamente. O chamado " amor à pátria " cantado pela direita não representa a realidade e logo os interesses da maioria do povo brasileiro.  A fome ainda é, como diria Glauber Rocha, o nervo da nossa cultura.  

domingo, 24 de abril de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 15

Muitos brasileiros não sabem que somos latino americanos. Não supõem que uma arte contestadora e ligada às conquistas técnicas e estéticas do mundo cosmopolita, precisa estar enraizada nas experiências artísticas do povo. Diante da fúria das elites dos países latino americanos de hoje, a arte deve ser incorporada às necessidades ideológicas e práticas da classe trabalhadora. Arte popular na América Latina não é algo feito para turistas, não é curiosidade, não é exotismo e portanto fonte para pesquisas culturalistas e logo despolitizadas. A arte popular dos trabalhadores latino americanos precisa ser internacionalista, porque a nostalgia da terra leva apenas ao isolamento mental. Precisa ser ao mesmo tempo expressão das culturas exploradas, porque estas são as verdadeiras protagonistas da luta política. Precisa ser revolucionária porque a arte não pode se libertar apenas na forma: ela é o desejo político de libertação de populações oprimidas.
  Enquanto continente historicamente saqueado pelo colonialismo e pelo imperialismo, a América Latina só pode tomar consciência de sua miséria a partir de uma cultura revolucionária. As burguesias nacionais dos países latino americanos ainda são as fieis escuderias de uma cultura moldada segundo os mesmos parâmetros religiosos, políticos e econômicos  que perpetuam a dominação. Os trabalhadores da cidade e do campo são aqueles que podem disseminar as imagens, as vivências e os costumes que tornam-se a recusa dos padrões massificados impostos pelo imperialismo. A questão central é que as transformações operadas no plano da consciência não se dão da noite pro dia. É preciso habituar-se com experiências artísticas que entram em choque com a ideologia liberal e com todas as mentiras morais e políticas instaladas no espírito.
  A arte brasileira e a arte de todos os outros povos latino americanos, tem um grande desafio: em uma época marcada pelo anticomunismo e pela invasão norte americana, a arte latino americana precisa tornar-se uma força material, uma aliada sem máscaras do proletariado.

domingo, 17 de abril de 2016

Boletim Lanterna. Ano 06. Edição 14

Se a cultura expressa a luta de classes, no Brasil dos nossos dias este fato é confirmado sem disfarces. Com a direita fora do armário, não apenas a vida política mas a linguagem como um todo é condicionada por polarizações ideológicas. Do ponto de vista da esquerda, daqueles que realmente defendem um projeto socialista, a cultura precisa ser ocupada pelas mais diversas estratégias de combate.
  O campo de batalha da cultura deve ser defendido pelos trabalhadores. Como se não bastasse, além do imperialismo saquear os sentidos da população, a classe média infesta com sua simbologia reacionária os mais variados espaços. Diante disso não se pode perder de vista que a denúncia da miséria e a crítica aos tabus que funcionam como armadura da moral dominante, são os dois alvos a serem combatidos. Educar e agredir envolvem o percurso dialético de uma produção artística que possui compromisso político com o proletariado.
 A função pedagógica da obra de arte e a violência anárquica da criação artística são estratégias que ainda dividem opiniões entre militantes e artistas de esquerda. Isto é perfeitamente admissível e pertinente. A defesa de projetos estéticos distintos é parte do debate(que deve ser aprofundado). Aliás, a natureza progressista da arte está historicamente dividida nestas práticas: de um lado a instrução, a agitação , a desmistificação da ideologia burguesa, etc. Do outro lado, as explosões dionisíacas, a violência expressiva, a crueldade, o impulso libertário. Posto desta forma, educar e agredir são posturas complementares no mesmo exército de combate contra a cultura oficial.
 Entre aqueles artistas que não caíram na lábia das formas institucionais de cultura, lutar e combater tudo aquilo que impede a libertação econômica, política e moral do homem é o que realmente importa. Nunca é demais insistir nestes deveres do militante.