segunda-feira, 31 de março de 2014

O artista ainda tem que ter uma Opinião sobre a ditadura militar:

Faz cinquenta anos que a burguesia brasileira bateu na porta do quartel pedindo arrego. A classe dominante temia o avanço político dos trabalhadores em meio ao governo Jango; e ninguém pode negar que a arte popular revolucionária do período, mesmo com todos os erros do populismo, era uma das alavancas que impulsionava a agitação social no país.Naqueles tempos da guerra fria, as forças armadas assumiram em 1964 o poder, dando início a um capítulo brutal que durou 21 anos: a ditadura militar sujou ainda mais a História do Brasil com prisões, torturas, perseguições, assassinados e a censura que atingia até mesmo o mais despolitizado dos artistas. Mas em 2014 qual seria a relevância de levantarmos os fantasmas do golpe de 64? O passado não envolve fatos embalsamados e mesmo que a História não se repita, devemos combater através dos símbolos históricos de resistência, as atuais formas de repressão política. 
   Os lacaios da burguesia fantasiados de intelectuais, querem abafar as vozes rebeladas do passado para que possamos esquecer hoje a miséria do povo brasileiro. Estas vozes tornam-se também cantos, e na luta contra a opressão ontem e hoje " É PRECISO CANTAR ".  É preciso manifestar-se, berrar, arriscar-se, ter uma opinião sobre o processo político brasileiro. Ter OPINIÃO sobre os absurdos da ditadura não é ficar nostálgico, babando ovo para os artistas que na época combateram o regime militar; e como tem gente " cult " que sem nunca ter colocado os pés numa fábrica ou num sindicato, fica emocionada, extasiada  e batendo palmas para intelectuais e artistas que contam suas lembranças de 1968....  Não, não é isso que precisamos fazer hoje: quem é contrário ao golpe de 64, apoiado pela burguesia e pelo imperialismo norte americano, é necessariamente hostil ao sistema capitalista como um todo. É contra o capital que os artistas devem lutar. É preciso tomar consciência de que com a interrupção do governo Jango abriu-se, como bem disse José Ferroso, um abismo entre o artista revolucionário e a classe operária. 
 Hoje, diferentemente dos tempos do populismo, estimulamos a formação do artista revolucionário dentro do proletariado. Aliás, cabe ao artista operário tomar conhecimento da produção artística de resistência dos tempos da ditadura militar, incrementando com referências estéticas importantes a arte de esquerda dos nossos dias. 
Marchando pelas ruas em plena democracia burguesa, manifestantes que lutaram em 2013 e lutam em 2014 podem cantar, sem nenhuma ruga no refrão, a música Opinião, de 1965, verdadeiro libelo contra a repressão política: " Podem me prender. Podem me bater. Podem até deixar-me sem comer. Que eu não mudo de opinião ".


                                                                                      Geraldo Vermelhão  

sexta-feira, 28 de março de 2014

A tentativa de lançar luz sobre o debate estético da esquerda:

O nosso blog está na praça desde julho de 2011(www.boletim-lanterna.blogspot.com). Alguma celebração em vista? Nem tanto, pois apesar do esforço militante (traduzido em artigos, vídeos, manifestos, ciclos de filmes e reproduções de textos chaves do pensamento marxista sobre literatura e arte), nós e outros trabalhadores revolucionários da cultura, estamos em plena " solidão revolucionária ". Esta não deixa de ser expressão, produto histórico, da atenção dada pela esquerda brasileira de hoje aos problemas artísticos. Por outro lado, como poderíamos recorrer ás dezenas de artistas de classe média, individualistas e narcisistas,  imersos nas ocas visões da pós-modernidade? Falar em arte revolucionária é uma tarefa para aqueles que entendem o artista como trabalhador, o criador como militante. É o proletariado e os artistas ganhos á causa comunista,  que possuem as condições históricas para exercer a práxis da arte revolucionária em suas inúmeras concepções.  Diante disso, é vital que as publicações de esquerda se voltem também para o combate artístico.  
 Vários companheiros nos apoiam, é verdade. Vários companheiros nos esculhambam, também é verdade. É exatamente neste jogo dialético entre o aplauso e a vaia que procuramos colocar o debate estético enquanto dimensão fundamental da luta política contra o capitalismo. Uma coisa esteja clara: não temos a menor intenção de sermos porta vozes do debate artístico. Isto seria despautério, histerismo intelectual. Não, o que queremos é contribuir com a ideia de uma imprensa cultural de esquerda neste país. Nosso trabalho diário, de pesquisa e agitação, compreende um esforço independente voltado para as mais diversas organizações de esquerda, interessadas em inserir as discussões literárias e artísticas, ampliando a sua agenda cultural: se os debates em torno da política cultural, utilizados muitas vezes no pragmatismo da disputa eleitoreira, são presenças eventuais, então a práxis da arte encontra-se miúda, rala e ralada pela mediocridade política e pela incapacidade de organização do front cultural.
 Nós do Lanterna: Boletim de Arte Revolucionária, continuaremos a nossa militância: é esta mesma militância que cobriu as inovações gráficas e audiovisuais das jornadas de junho de 2013, que aponta para o potencial revolucionário da arte das periferias, que retoma e discute com paixão(entre os seus próprios colaboradores) a produção artística dentro de diferentes orientações teóricas( arte proletária, surrealismo, pop, construtivismo, cinema de autor, performance , etc). Colocamos nosso trabalho a serviço dos interesses históricos da classe operária. É com muita sensibilidade que cultivamos nossos punhos cerrados contra a cultura dominante.


                                                                           Conselho Editorial Lanterna    

quinta-feira, 27 de março de 2014

Poema " Os espelhos piedosos ", do surrealista Enrique Gómez Correa:

Os espelhos piedosos seguem retocando as 
                                                               imagens
Porém os espelhos malignos
Continuam destorcendo-se
Até os próprios ossos

É o mundo das aparências
Que ás vezes costuma ser o mundo da realidade
Aquele que nos enforca
Ou nos faz rir de alegria
A água também costuma ser um espelho
Mas um espelho que amiúde engole as imagens
Sem que essas imagens venham a ser peixes
E então tudo está perdido
Até o momento em que detrás desse espelho
Lês teu nome escrito com letras invertidas
Que fazem com que gritem os espectadores
Que reclamam viva força
Mais claridade
Digamos
Muito mais transparência
E sem ilusões



                                                    Enrique Gómez Correa 


quarta-feira, 26 de março de 2014

O fechamento do CPC foi um dos primeiros crimes da ditadura militar:

Os cinquenta anos do golpe de 64 direciona a nossa memória para os crimes políticos e culturais da ditadura contra a sociedade brasileira. O fechamento do Centro Popular de Cultura da UNE, representou um grave retrocesso histórico que só fez aumentar a distância entre artistas revolucionários e o proletariado. Sentimos ainda hoje os efeitos do sepultamento do CPC, sobretudo quando os meios artísticos se fecham no gozo privado da sua masturbação estética e os trabalhadores engolem colheradas de futebol e cultura de massa.
  Entre o conformismo e o inconformismo o CPC apresentou um projeto de arte nacional  contrário ao imperialismo. Não era nem arte do povo e nem arte popular, mas arte popular revolucionária. Portanto era uma produção artística consequente e consciente de que a luta de classes é o que deve condicionar a arte e não os fantasmas interiores da classe média. É o povo quem protagoniza a cultura engajada dos tempos do janguismo, como o próprio CPC registrou: " Os membros do CPC optaram por ser povo, por ser parte integrante do povo, destacamentos do seu exército no front cultural ".
  Muitos criticam o projeto estético do CPC como sendo " obreirismo ", " visão teleológica ", " paternalismo esquerdista " e até " zhdanovismo ". Besteira: estes argumentos reacionários apenas colaboram para as especulações de manifestações artísticas vazias e distantes do povo. São estes mesmos argumentos formalistas e pequeno burgueses, utilizados neste blog inclusive pelos meus amigos denominados Independentes, que desandam os objetivos revolucionários da arte. Um recado para eles: falem menos de tropicalismo, contracultura, pop e surrealismo. Olhem para o povo, pois é o artista engajado que preocupa a burguesia(seja em 1964 ou hoje em dia)


                                                                                José Ferroso

terça-feira, 25 de março de 2014

Sobre a formação de escritores proletários

Dentre as tarefas culturais mais urgentes da esquerda, está a formação política e estética de escritores organicamente ligados á classe operária. Esta afirmação não se baseia em elucubração intelectual, pois os fatos falam por si quando observamos um número crescente de poetas, contistas e romancistas nas periferias brasileiras.
 Este processo educacional, que deve encontrar o seu espaço nas escolas e nos centros culturais bem como nos partidos e sindicatos, não pode ser confundido com mão de obra eleitoreira. A necessidade do escritor proletário, daquele que estabelece imagens e narrativas capazes de exprimir o universo da exploração capitalista e das mazelas da sociedade alienada, é a própria necessidade da construção da ideologia revolucionária dentro das massas.Isto está além, muito além, da arregimentação para engordar o número de filiados de uma determinada organização política. Uma possível(e logicamente necessária) adesão do escritor á esta organização deve ocorrer de acordo com a sua maturidade política. Entretanto, se as universidades e editoras formam intelectuais dispostos a defender o status quo, a esquerda deve suar a camisa e a bandeira para mobilizar os escritores compenetrados no seu interesse histórico anticapitalista.
 O processo de criação de uma vanguarda no plano político também contempla a literatura, verdadeira arma contra a classe dominante. O operário lê sim! A questão é o que ele lê. Necessitamos da literatura proletária nos pontos de ônibus e nas portas das fábricas.  Não nos esqueçamos disso em nossa militância diária.


                                                                                      Geraldo Vermelhão

segunda-feira, 24 de março de 2014

Glauber Rocha comenta Rosselini:

(...) Roberto Rosselini é a nova realidade intelectual e estética da Itália, no após guerra. Comunica-se através do cinema, técnica saturada pelo mundo que morreu na guerra. Sem câmera, sem filme, sem laboratório, sem técnica, sem atores, sem produção...sem nada.... apenas com ideias...Rosselini diria que as " ideias geram imagens "... o desejo das ideias materializa...
 Marginalizado, na pobreza, Rosselini reinventa o cinema. Cientista e artista a serviço do filósofo(...). Rosselini não tem formação universitária. Entrou no cinema como cinegrafista logo transformado em inventor de novas técnicas óticas. Aprendendo com o povo e com livros, Rosselini se forma como mestre, desenvolvendo vocação socrática que o transformaria no autentico Papa do Mundo Cinematográfico : discutido, perguntado, ensinado, mentindo, sofismando, informando, investigando, imaginando, criticando, gozando- Rosselini reduz, como Leonardo Da Vinci, o cinema a uma questão de método.


                                                                                               Glauber Rocha

sexta-feira, 21 de março de 2014

Instalação questiona a condição do operário na China " socialista ":

Na História da humanidade a arte sempre exprimiu, intencionalmente ou não, as contradições sociais dentro de um determinado modo de produção. Ao socialismo, tal como é compreendido pelo marxismo, deveria corresponder uma arte isenta de alienação, liberta do conteúdo de classe, um produto que expressa a coletivização da economia e o poder político do proletariado. Porém, as experiências socialistas deformadas são postas á prova, inclusive hoje, por meio das obras de arte. Este é o caso da mais nova instalação do artista chinês Xu Bing.
  A instalação " da Fênix ", composta pelas imagens de duas aves, foi originalmente encomendada para o átrio de um centro empresarial ,que está sendo construido em Pequim. Indignado com o contraste entre a modernidade do prédio e as precárias condições de trabalho dos operários, Bing criou uma obra que contém os próprios materiais utilizados pelos trabalhadores chineses(capacetes, chaves de fenda, pás, etc). Percebendo a crítica ao trabalho na China, as autoridades cancelaram o projeto. Hoje a obra está exposta na catedral anglicana de São João, em Nova York. Impossível não perceber o jogo político norte americano para difamar a imagem política da China... Mas, falando do ponto de vista revolucionário, socialista, esta obra de arte revela alguma mentira? Nenhuma pessoa de esquerda pode deixar de avaliar negativamente as condições de vida do proletariado de um país que desde de 1949 seria,em tese, " socialista ".
  Sim, a opinião pública conduzida pelos interesses capitalistas, faz a desforra com este tipo de arte. Como poderemos responder politicamente e esteticamente aos desafios de um socialismo sem deformações? É preciso dizer não a uma arte que questiona o socialismo chinês para beneficiar o capitalismo. Mas, ao mesmo tempo, devemos dizer sim a uma arte que seja portadora de um socialismo regenerado. 



                                                                                                Lenito  

quinta-feira, 20 de março de 2014

música jovem sem escândalo é coisa velha:

O escândalo dentro da moderna música pop, é uma das características políticas vitais do nosso tempo. Não tem nada a ver com o oportunismo, com o comportamento espalhafatoso para ganhar dinheiro. Muitos artistas praticam hoje este escândalo fácil, sem maiores consequências sociais. Sendo arte, e portanto a música, expressão de coragem, interessa também sob o ponto de vista revolucionário a transgressão que o escândalo apresenta. 
 Infelizmente, alguns escoteiros (pseudo)marxistas acham que os músicos precisam ser " consequentes " em suas práticas de rebeldia. É claro que o músico não deve ser uma besta que coloca a corda em volta do seu próprio pescoço e deixa a mídia enforca-lo. Não, mas este pode no seu trabalho musical, na sua aparência e nas suas atitudes exprimir não " um pensamento político coerente ", mas a crítica e rejeição dos valores da classe dominante. Encarando o artista como alguém que pode contribuir para o descrédito da moral burguesa, vamos então estimular os músicos a incomodarem o status quo, sem precisar carregar carteirinha de partido.
 É esta liberdade artística, de grande alcance, que levou os Beatles, por exemplo, a escandalizarem os EUA com uma coletânea lançada por lá em 1966. Yesterday and Today, um belo sanduíche dos álbuns Help!, Rubber Soul e Revolver, trouxe na sua capa os quatro bonitinhos de Liverpool com roupas de açougueiro e pedaços de carne e bonecas esquartejadas.  " E dai? ", pergunta o clássico militante de esquerda. Bom, e daí, que com a guerra do Vietnã revelando a brutalidade imperialista dos EUA, matando inclusive crianças vietnamitas em bombardeios, esta imagem é no mínimo(e intencionalmente) incômoda. O resultado? A capa foi censurada. É portanto este tipo de atitude, que sem o tradicional tom de militância, pode ser de grande eficácia no plano da contestação social.


                                                                                        Tupinik 
  

quarta-feira, 19 de março de 2014

A Companhia Estudo de Cena realiza as últimas apresentações do seu novo espetáculo:

Imperdível: a Companhia Estudo de Cena, uma referência no teatro político paulistano, traz neste mês de março as últimas apresentações do espetáculo Guerras desconhecidas na Barraca de Cena. De acordo com o grupo " Barraca de Cena é um pequeno teatro mambembe, que está percorrendo as feiras livres da cidade de São Paulo, onde apresentamos cenas e números de variedades que falam de guerras contemporâneas e de nossa História ".
 Neste mês de março o espetáculo está no Capão Redondo, Centro e Barra Funda. As apresentações ocorrem no Circuito das feiras nos dias 19 e 26(Feira Capão Redondo- Zona Sul- Rua Paulino Vital de Moraes),  22 e 29(Feira Vitorino Carmilo- Barra Funda - Rua Adolfo Gordo), 23 e 30(Feira Consolação - Centro- Rua Major Quedinho), a partir das 11h.  Assistam, assistam e assistam!


                                                                      Conselho Editorial Lanterna

terça-feira, 18 de março de 2014

Do romance proletário " Navios Iluminados ", de Ranulfo Prata

(...) O barco vinha de barriga cheia, a ímpar, a carga beijando a boca da escotilha. A máquina escancarou as mandíbulas medonhas, enterrou os dentes na massa negra e derramou na galera três toneladas de carvão de uma só vez. Chegara recentemente e eram as primeiras experiências que se faziam. O pessoal da turma 65 espiava, curioso, o manejo da bicha.
 E, ante is seus olhos surpresos , o porão foi se esvaziando rapidamente. O demônio da máquina, sozinha, fazia o serviço de muitos homens, que ali estavam a olha-la de braços cruzados e faces apalermadas.


                                                                    Ranulfo Prata, 1937.

segunda-feira, 17 de março de 2014

As sementes da Arte Socialista:

Durante a guerra fria, os países do chamado bloco socialista, criaram de fato uma arte socialista? Definitivamente o realismo socialista não pode ser a arte que expressa a libertação dos trabalhadores. As limitações estéticas de uma arte de convenção, feita segundo os interesses de um centro de poder autoritário, só poderia ter dado mesmo com os burros na água. Mas, se as burocracias ruíram em meio á ofensiva capitalista e ás graves contradições internas do bloco socialista, o socialismo enquanto projeto está de pé, assim como uma arte que nos ensine a ver para além do horizonte plastificado da burguesia.
  Precisamos buscar as sementes para uma futura arte socialista não na universidade, nos cursos técnicos, nem mesmo nas instituições artísticas. Uma arte realista, didática e que forneça as imagens de ataque ao status quo, só podem nascer de dentro da cultura dos trabalhadores. Mas, existindo, como sabemos, uma produção cultural dos trabalhadores, seria ela expressão automática do socialismo? Não é sob a penúria de informações, sob o comando do crime organizado(que defende e necessita do capital), do uso alienante da religião e tão pouco sob a oscilação entre paternalismo e repressão do Estado, que uma nova arte proletária poderá florescer. A nova arte das periferias que hoje é positiva porque destoa e agride o gosto burguês, precisa ser politizada: ela deve familiarizar-se com o marxismo para avançar na forma e no conteúdo.
 Que a nossa publicação assim como outras iniciativas comprometidas com o papel revolucionário da arte, se comuniquem efetivamente e contribuam com ideias que possam mobilizar o proletariado na criação artística que semeia o futuro, que semeia o socialismo.



                                                                                     Lúcia Gravas

sexta-feira, 14 de março de 2014

A contribuição de Brecht para o Cinema Político:

Todos sabem que Bertolt Brecht é o teatrólogo, dramaturgo e poeta que representa um divisor de águas na estética marxista. Mas, além do teatro e da literatura, sua contribuição cinematográfica vem sendo alvo de grandes debates. Brecht tem uma contribuição original ao cinema político enquanto brilhante roteirista. 
  As relações entre Brecht e o cinema ficam geralmente restritas ao péssimo filme A Ópera Dos Três Vintens, de 1931: diante deste longa de G.W Pabst, o melhor mesmo é ficar com a peça e o romance de Brecht(que de fato são geniais). Fala-se muito também de Os Carrascos Também Morrem(1943), do diretor Fritz Lang. Este filme, que é uma verdadeira aula política á Resistência nos tempos da Segunda Guerra Mundial,  tem os cinco dedos de um roteiro de Brecht pra lá de inspirado. 
 Mas, na minha opinião, existem dois filmes que revelam pra valer a contribuição do teatrólogo alemão á arte do cinema: Kuhle Wampe, de 1932 e Como Vive o Trabalhador Berlinense , de 1930, são ponta pés do cinema político alemão antes da canalha nazista estragar tudo. Kuhle Wampe, realizado por Brecht e Ernst Ottwalt,  nos ensina a pensar um cinema de agitação e propaganda dentro de uma grande agilidade estética: o filme capta toda a atmosfera política que flagra a produção cultural da esquerda alemã. Aqui o drama do proletariado é tematizado com didatismo e coragem política. Trata-se de uma família operária que enfrenta a crise econômica dos anos trinta. A penúria não leva o espectador á piedade, mas ao entusiasmo diante da cooperação e da organização do proletariado alemão. Já o curta Como Vive o Trabalhador Berlinense, dirigido por Slatan Dudow , mostra com imagens áridas, duramente realistas, as condições de vida da classe operária alemã no início de trinta. É um curta que pode inspirar cineastas brasileiros de hoje a olharem a realidade brasileira.
  Brecht, um esteta atual, também deu o seu recado no cinema...



                                                                                             Lenito  

quinta-feira, 13 de março de 2014

O bom e velho happening:

As performances estão cada vez mais presentes no mundo urbano, gerando situações cênicas de estranhamento. Isto é muito bom, mas seria legal também procurar o elemento surpresa, o inesperado, o choque que desafia o limite entre o que é  representação e o que não é. Ou seja, o que é preciso ser experimentado no cotidiano das metrópoles são os happenings. 
 Como todos sabem os happenings tiveram o seu auge no pós-guerra, especialmente nos anos sessenta. Por que ele ainda seria uma solução válida para intervir na vida social? O happening em sua essência libertária não pode ser comercializado porque não pode ser previsto, nem sequer calculado em seus efeitos e possibilidades. Se praticado no espaço público, tão massacrado nas cidades brasileiras, ele pode levar á tomada de consciência sobre algo tremendamente perigoso para a classe dominante: se todas as nossas ações forem entendidas como " atuação " segundo normas culturais e por conseguinte políticas, então é possível desestruturar os papeis sociais pelo corpo em estado de mobilidade inesperada. É enfim o gesto poético , as proposições coletivas de liberdade enquanto frutos de situações a serem inventadas. O happening ainda pode " acontecer enquanto acontecimento libertário "...


                                                                                      Os Independentes

quarta-feira, 12 de março de 2014

A estética do expressionismo alemão ainda é referência:

Os horrores da sociedade capitalista precisam ser capturados pela arte. Não se trata da denúncia pela denúncia, mas da vontade de transformação que age sobre a sensibilidade. Para o pintor e o gravurista dos dias de hoje, as formas distorcidas do expressionismo alemão ainda podem ser matéria prima visual. Não é nem tanto pelo lado dark, a coisa sombria que opõem-se á simetria idolatrada pela burguesia. Isto é importante, fascina muita gente imersa no gótico. Mas acontece que existe um lado político do expressionismo, que vira e mexe, fazemos questão de relembrar em nossa publicação.
  A miséria social, a guerra, os tipos sociais cuja melancolia é inseparável das injustiças econômicas, são assuntos atuais que por não desaparecem do horizonte da arte, fazem com que artistas encontrem na violência expressionista um modo de exteriorização da emoção estética, inseparável das preocupações de tipo social: a incômoda sensação da imagem que humaniza a realidade, oferece em traços e cores a dimensão brutal da sociedade estabelecida. 
O expressionismo alemão, que marcou o início da arte moderna brasileira na década de dez e o seu amadurecimento político nos anos trinta, precisa ser revisitado hoje por aqueles que desejam representar pela expressão selvagem o nosso mundo bestial.

                                                                               Lúcia Gravas 

terça-feira, 11 de março de 2014

O escritor necessário:

Aquele que escreve, sobretudo prosa, concebe estratégias comunicativas para atingir o leitor. O escritor que se submete ao mercado só pode entender seu leitor enquanto consumidor. Para nós este escritor não interessa(ele é cupincha da burguesia). O escritor que finge tratar dos problemas do povo mas não circula sua produção fora da acadêmica, também não interessa(na prática ele zela pelo elitismo intelectual). Quem seria então o escritor que de fato pode se comunicar com os trabalhadores brasileiros? Para nós este é o escritor revolucionário, que dirige-se á diversidade cultural espalhada pelo território brasileiro: das periferias das grandes cidades aos sertões, a literatura deve ser uma arma humanizadora e portanto questionadora da sociedade de classes.
  Este escritor, proveniente da classe média ou da classe trabalhadora, opta pelos interesses históricos da segunda: ele faz da narrativa o desenrolar sensível de fatos que relatam dentro de uma estrutura etilística os dramas econômicos. Não é mole ser um escritor revolucionário nos dias de hoje... É preciso lidar, por exemplo, com a alienação nos mais diversos ambientes populares. Nas periferias, por exemplo, o escritor comprometido com os interesses da comunidade(sendo em muitos casos ele próprio um morador empenhado em mobilizar politicamente pela sensibilidade) lida com deformações da consciência do proletariado. Ele precisa combater formas culturais que fazem apologia do crime: tais formas são resultados da exclusão econômica e da incomunicabilidade dos governantes atrelados á classe dominante. O escritor enfrenta também alguns discursos religiosos que levam ao conformismo político e á distorção dos fundamentos econômicos que de fato regem a realidade. Por fim, o escritor precisa refletir sobre a violência do Estado e o poder da mídia(esta última adora, em novelas por exemplo, colocar o problema social enquanto curiosidade antropológica...). 
  Escrever demanda um ato de coragem, de expor, denunciar e revelar a realidade afim de transforma-la. Seriam estes os " velhos apelos intelectuais do marxismo ? ". Sim, não podemos nos intimidar com reacionários de plantão: o escritor, gostem ou não, possui uma ideologia. A dimensão ideológica da obra literária revolucionária é, junto ás necessidades formais, preocupação central do escritor engajado.


                                                                                          Geraldo Vermelhão
  

segunda-feira, 10 de março de 2014

A validade da crítica anarquista para a arte:

Uma nuvem pesada de injúrias mais uma vez paira sobre o anarquismo. No Brasil de hoje a situação não é diferente daquela do começo do século passado: o anarquista é encarado pela opinião pública como um bandido, um vilão digno de gibi. Para combatermos este processo ideológico de criminalização, é preciso propagar as ideias libertárias em suas reais implicações filosóficas. Tratando-se da arte em particular, a contribuição do pensamento anarquista para a reflexão e a criação é algo que deve ser conhecido, divulgado.
  Para o anarquismo todos os indivíduos são em potencial artistas. Ou seja, nada deste papinho acadêmico de conceber o artista como um ser que carrega diploma embaixo do braço. Nada de adulações que colocam o artista como um ser " genial ". Nada, nada de encarar a artista como um cavalo que corre e corre para ser o " vencedor ". Para a doutrina anarquista o operário, o frentista, o carteiro, o professor, o estudante, qualquer um, deve ser artista; e isto não é tudo: estimulando sua criatividade, o artista libertário questiona toda e qualquer hierarquia, seja das instituições artísticas e acadêmicas, seja do Estado que massacra e oprime os trabalhadores.
 As reflexões estéticas do anarquismo estão abertas á inovação, á ousadia da forma e do conteúdo. Trata-se de colocar o ser humano em sua liberdade original e sem qualquer implicação competitiva e de status. A História do anarquismo no plano da arte encontra em gente como o ex-sapateiro e jornalista francês Jean Grave, exemplos de quem sabe que arte é trabalho e que todos podem servir-se dela para atingirem sua libertação. Grave, por exemplo, editava por conta própria seu jornal La Révolte e divulgava o que havia de mais avançado em matéria de arte e literatura. É isso: ação intelectual e artística pelas próprias mãos, ação cultural direta!
 Deixem que os cretinos babem ovo para aqueles " artistas geniais ", badalados e escravos do poder econômico que aprisiona a arte nas grades da mercadoria. Para nós o que interessa é o artista libertário, marginal, que não abre mão da luta contra os valores estabelecidos.


                                                                               Marta Dinamite

sexta-feira, 7 de março de 2014

Das reflexões de Eisenstein:

(...) Ora, a estética mundial dez tão pouco até hoje, tão lamentavelmente pouco, para permitir ao homem tornar-se senhor dos meios, das possibilidades que o cinema oferece!(...) A nossa tarefa é reunir e resumir a experiência de épocas passadas e de passagem, para prosseguir, fortalecidos por essa experiência, adiante das novas etapas, tão infinitamente atraentes, e as dominar vitoriosamente, não esquecendo, em momento algum, que a profundidade ideológica do tema e do assunto permanece e ficará para sempre como a base verdadeira da estética, o que confere seu pleno valor á execução das novidades técnicas, os meios de expressão os mais aperfeiçoados servindo apenas para dar corpo ás formas as mais elevadas do pensamento, ás ideias sublimes do comunismo(...).


                                                             Serguei Eisenstein, 1946.

quinta-feira, 6 de março de 2014

Da obra " O Revolver de Cabelos Brancos ", de André Breton:

Não dou nenhuma importância á vida
Não pego com alfinetes na importância a mais ínfima borboleta de vida
Não importo á vida
Mas os veios do sal os veios brancos
Todas as bolhas de sombra
E as anémonas do mar
Descem e respiram dentro do meu pensamento 
Vem das lágrimas que não verto
Dos passos que não dou duas vezes passos 
Na memória da areia ao encher da maré
As grades estão no interior da gaiola
E os pássaros vem das maiores alturas cantar diante delas
Uma passagem subterrânea une todos os perfumes 
A mulher que lá entrou um dia 
Tornou-se tão brilhante que não vi
Com estes olhos que a mim mesmo viram arder
Tinha já a idade que hoje tenho
E vigiava-me vigiava o meu pensamento como um guarda noturno numa fábrica
                                                                                                    sem fim




                                                                  André Breton, 1932.

quarta-feira, 5 de março de 2014

Joan Baez vai tocar no Brasil:

Aproveitando o embalo do meu texto anterior sobre folk, é com muita alegria que divulgo a vinda da compositora e cantora norte americana Joan Baez ao Brasil. Ela, que ao lado de gente como Bob Dylan está entre os grandes ícones da música de protesto dos anos sessenta, se apresenta este mês em Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo. 
 Baez, hoje uma senhora de 73 anos, esteve no Brasil em 1981 e teve seu show vetado poucos minutos antes do seu início pela Polícia Federal. Finalmente, distantes da ditadura militar, todas as formas musicais de protesto podem ser ouvidas hoje e a nova geração pode aprender á carregar seus violões com a excelente munição das composições desta que é uma das artistas mais interessantes da era contemporânea. Porém, não sejamos tão otimistas, pois diante de forças políticas reacionárias e hostis ao protesto político, é preciso estar pronto para a possibilidade de qualquer " cala a boca". Mas enquanto o canto for possível, vamos aprender um pouco mais com as letras e a voz de Joan Baez: a jovem música brasileira, que aos poucos já assimila o folk, precisa deste tipo de referência musical.



                                                                                             Tupinik 

terça-feira, 4 de março de 2014

Um teatro de libertação total:

O Teatro da Experiência, de Flávio de Carvalho, permanece enquanto ponto chave para uma atividade dramática que funciona enquanto laboratório da carne liberta. Tendo sido fechado ainda nos anos trinta pelas autoridades sob a velha ladainha de subversão e devassidão, este espaço consagra uma dimensão política do teatro pouco verificada em nossa História: tirando poucos grupos como o lendário Oficina, pouca gente ainda entende o teatro enquanto espaço reformulador da condição humana.
 Para aqueles que concebem o teatro enquanto meio de emancipação, é preciso ir além da obviedade da mensagem política mastigada. Afirmamos isso porque existem muitos companheiros que se ocupam do teatro político e entendem a própria força política do teatro apenas no texto dramático, que existe em um cenário " pobre " ou anti-ilusionista. Não se confundindo com literatura, o teatro anda com suas próprias pernas, sendo o texto apenas uma de suas dimensões. Longe de nós atacarmos quem faz este tipo de teatro: estamos apenas dizendo que o teatro pode ser mais, muito mais em sua natureza revolucionária. Palavra, corpo, cenário, maquiagem não podem ser descolados. Atingir os sentidos do homem moderno, inseparável da sua capacidade de pensar e nomear a realidade, exige coloca-lo em situações que o arranquem da sua passividade; portanto o engajamento não é apenas verbal mas corpóreo. Se desejamos que os trabalhadores sejam transformados pela experiência cênica, devemos " faze-lo gritar " como pregava Artaud. Este é o caminho para que o espectador não seja apenas mero espectador de peças, filmes, propagandas, novelas e....... Futebol.


                                                                                   Os Independentes
 

segunda-feira, 3 de março de 2014

A verdade da arte para Bloch:

(...) A indagação da verdade da arte é, do ponto de vista filosófico, a indagação sobre a representatividade dada, concreta em cada caso, da imagem bela, sobre seu grau de realidade na variada e multiforme realidade do mundo, sobre o lugar de seu correlato objeto(...) Essa grande claridade opera de modo muito atuante sobre aqueles produtos da arte que não se apresentam primeiramente como de índole realista , ou porque eles atuam romanticamente de modo consciente, ou porque - além de um mero " sujeito "- nutrem o mito, sem dúvida o mais velho alimento da arte(...).


                                                                                      Ernst Bloch

sábado, 1 de março de 2014

Deus e o Diabo na Terra do Sol é um filme-manifesto:

Retomando o nosso ciclo de filmes Revisão Crítica do Cinema Novo, uma iniciativa desta publicação com o Museu da Imagem e do Som de Campinas, exibiremos esta noite nada menos do que o emblemático longa Deus e o Diabo na Terra do Sol(1964), de Glauber Rocha. Já pararam pra pensar o quanto existe de atrevimento cultural nesta exibição? Faço esta indagação com base no atual cinema brasileiro, que hoje não se contenta mais em xerocar Hollywood e telenovelas mas torna-se extensão ideológica direta da cultura conservadora. Mas para nós, um número reduzido de militantes e artistas em desacordo permanente com a sociedade burguesa, interessa mesmo é a busca por estéticas empenhadas na destruição dos valores estabelecidos. Sendo assim, nada mais oportuno do que colocar o longa de Glauber enquanto expressão plástica de uma genuína manifestação de arte revolucionária.
  Deus e o Diabo na Terra do Sol é um filme que ilustra, pela conjugação entre violência, miséria e poesia, o projeto de uma Estética da fome. O filme traz um novo estágio de consciência crítica da realidade do subdesenvolvimento, tornando-se o suporte por onde Glauber irá delinear o seu clássico manifesto Estética da Fome, de 1965. No texto, apresentado durante uma retrospectiva do cinema latino americano em Gênova, Glauber parece converter em teoria o resultado visual de Deus e o Diabo:  (...)"Do Cinema Novo: uma estética da violência antes de ser primitiva é revolucionária., eis aí o ponto inicial para que o colonizador compreenda a existência do colonizado; somente conscientizando sua possibilidade única, a violência, o colonizador pode compreender , pelo horror, a força da cultura que ele explora "(...). Glauber Rocha sabia que realizar filmes envolve a própria realização de uma arte que expresse o confronto político entre países capitalistas ricos e países capitalistas pobres. É exatamente esta consciência que brota num filme isento de demagogia e exotismo na abordagem da cultura popular nordestina. Trata-se de um produto cinematográfico que em suas variadas referências estéticas(a literatura de cordel, a música de Villa Lobos, o cinema de Eisenstein, etc) consegue, como dizia o próprio Glauber, fotografar enquanto problema político aquilo que a Literatura de 30 havia denunciado enquanto problema social; aliás como já foi comentado aqui em outras ocasiões, como são extraordinárias as correspondências estéticas e temáticas entre o movimento do Cinema Novo e a produção literária regionalista da década de trinta... 
  Contrariando as normas da indústria, que hoje aparecem como algo " natural ", inerentes á produção cinematográfica, o filme de Glauber encontra em mitos populares os signos de uma rebeldia que abastece a luta política anti-imperialista. O beato e o cangaceiro são arquétipos que mesmo em suas contradições, fornecem abaixo do sol nordestino, uma simbologia do desacordo, uma antítese que desafia o poder local dos coronéis e configura-se, em última instância, em uma rica oposição á cultura de uma classe identificada com valores norte-americanos. No filme, o vaqueiro Manuel e sua esposa Rosa vivem a esquizofrenia do beatismo e do cangaço; ambos  massacrados alegoricamente pelo personagem de Antonio das Mortes. Quer dizer, seja pelas mãos do beato Sebastião, seja pelas mãos de Corisco, o homem e a mulher reagem instintivamente contra a opressão. Do ponto de vista dramático é interessante notar como Brecht é utilizado de forma pioneira , sendo um ingrediente fundamental na arte violentamente poética de Glauber. 
    No Brasil de hoje, quem está envolvido com um cinema fora do eixo, precisa de referências revolucionárias. A poesia do cinema de Glauber Rocha ainda é antídoto contra o gosto artístico de uma classe média que tomou para si o gosto do colonizador.


                                                                                  Geraldo Vermelhão 

FILME: Deus e o Diabo na Terra do Sol

ANO: 1964

DIREÇÃO: Glauber Rocha

LOCAL DE EXIBIÇÃO: Museu da Imagem e do Som de Campinas

DIA: 1/03

HORÁRIO: 19:30