sexta-feira, 29 de novembro de 2013

É preciso salvar a música:

As exigências ideológicas para a sujeirada comercial ameaçam o significado político contestador da música no nosso tempo. Individualismo, competição, esteticismo musical de terceira categoria e outros elementos estranhos ao estado natural/gratuito da música, funcionam como obstáculos para que a canção comunique uma realidade utópica, livre dos constrangimentos capitalistas. Do jurássico Hit Parade dos tempos em que o rádio influía nos destinos da música, aos atuais programas de televisão e comunidades virtuais, notamos que o mercado foi cercando durante décadas, com suas gigantescas patas de barata, os mais diferentes padrões musicais. Logicamente que para os sofisticados ouvintes de classe média, é possível refugiar-se em circuitos culturais que blindam, pelo luxo musical, os ouvidos que não toleram as atuais patifarias da cultura de massa(sites, megastores, shows personalizados, canais de Tv á cabo, etc). Entretanto, esta atitude elitista representa a velha " neutralidade " que além de se abster do debate contribui para o atual estado de mediocridade musical.
   Entendo que dentro da música, assim como em qualquer outro campo da arte, a técnica só possui importância, autenticidade, verdade, quando ela está submetida á expressão: é a expressão que confere á música seu sentido estético, sua potência sensível, sua participação dentro da realidade. Infelizmente com o esvaziamento dos debates ideológicos e a pilantragem industrial, a música que chega aos ouvidos da massa é arrancada de um possível enriquecimento expressivo e subordinada ao tecnicismo vocal, ao apelo de timbres e modulações formais completamente manjadas. Seria hipocrisia afirmar que em sua História a indústria cultural promoveu em música somente lixo alienante: isto não é verdade, já que a indústria apesar do seu compromisso político com o capital, possibilitou em alguns momentos a emergência de artistas que pelo " divertimento musical " também desafiavam os valores da classe dominante.
  O que se modificou com o tempo é a maneira como a indústria age sobre a música. Houve um tempo que a maioria dos produtores procuravam tendências musicais aonde elas nasciam em sua originalidade cultural e frescor estético. Portanto um sambista e um jazzista raramente eram fabricados, embora suas músicas se convertessem em mercadoria. Já mencionei mais de uma vez que as décadas de sessenta e setenta são muito ricas nesta contradição entre vender discos e difundir música de contestação, ou pelo menos de inovação formal. Seria ridículo julgar o valor de Lou Reed, Bob Dylan ou Johnny Rooten dos Sex Pistols pela " técnica vocal ": a técnica musical surge aqui em função de um valor expressivo, indissociável do ataque á sociedade estabelecida. Seria hilário também compararmos Beethoven com Beatles, pois a obra de ambos precisa ser contextualizada á luz das necessidades artísticas e comportamentais de seus respectivos ambientes musicais. Para um músico profissional é muito fácil executar músicas dos Beatles, mas ainda assim por que elas são tão fortes, tão maravilhosas? Porque os quatro cabeludos de Liverpool eram autênticos em suas composições modernas e brilhantes, com sua inovadora energia revolucionária(mas eles eram comerciais?! Sim, mas abriram a cabeça de tantos revolucionários...)
  Se hoje toda e qualquer referência musical vira peixe na rede do entretenimento para logo em seguida ser triturada, é para que independentemente de credo religioso, posição política, origem étnica e econômica todos possam " consumir música ". Esta perversa " democratização " ameaça a integridade artística musical, mesmo entre os músicos que não tenham o menor interesse em propor mudanças estéticas e comportamentais, mas são honestos em seu trabalho. Que fique em nossas mentes a imagem de bandas como os Kinks, que mesmo vendendo discos criaram uma nova linguagem pop que dava voz á juventude operária da Inglaterra(num sentido nada conformista). Os verdadeiros músicos e os amantes da música não podem se refugiar em suas torres melodiosas, mas combater com suas vozes e instrumentos este estado de coisas.


                                               Tupinik   

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