sexta-feira, 30 de agosto de 2013

BARRAVENTO E O MARXISMO EM GLAUBER ROCHA

Assistir ao filme Barravento(1961) de Glauber Rocha, é uma oportunidade de se comprovar o óbvio: O cinema de Glauber é revolucionário na medida em que o próprio Glauber foi um aguerrido revolucionário. Afirmar isso hoje em dia ,com todas as letras, é um desafio já que tanto no meio acadêmico quanto cinematográfico a obra do cineasta baiano vem sendo alvo de cacoetes pós-modernos. É comum olharmos pessoas que são alérgicas ao projeto político revolucionário se meterem a falar de Glauber Rocha. Para todos os efeitos estas pessoas deveriam se ocupar de outro objeto de estudo e não dos filmes de Glauber que exigem um violento processo de libertação nacional. Voltando ao longa Barravento, devemos dizer que toda a generosidade utópica da era janguista transborda neste que é o primeiro longa do cineasta.
 Após duas iniciais experiências cinematográficas de caráter formalista nos curtas O Pátio e o desaparecido Cruz na Praça, Glauber se afirma enquanto artista engajado em Barravento. Concebido inicialmente como um filme de amor, Glauber assume a direção do longa e o transforma em um libelo político contra o racismo e o uso ideológico da religião para a manutenção da miséria. Se alguém quiser entender o nacionalismo revolucionário de Glauber tem que ficar longe dos pós-modernos e ler/assistir o que o próprio escrevia e filmava. O Brasil de Jango havia permitido a emergência de uma arte revolucionária, sendo que exclusivamente no plano da sétima arte o movimento do Cinema Novo estava interessado, como dissera Glauber, na literatura brasileira de 30, no neo-realismo italiano e na dramaturgia de Bertolt Brecht. Assim sendo não podemos negar a importância do pensamento marxista na estética glauberiana a partir de Barravento. Mesmo que Glauber se considerasse um marxista que não leu Marx, quem pode negar que sua obra foi condicionada pelos conceitos de luta de classes, ideologia e imperialismo? Não enxergar isso significa desrespeitar o autor em seu projeto político descolonizador.
   Embora Glauber desenvolvesse seu discurso com a estética arrebatadora de Deus e o Diabo na Terra do Sol(1964), Barravento já apresenta seu olhar emancipador: numa vila de pescadores na região de Buraquinho na Bahia, o personagem vivido por Pitanga é um marginal, é uma ameaça subversiva ao questionar a miséria, o racismo e o uso do candomblé para impedir que os habitantes tomem consciência da sua condição material. Glauber nutria um grande respeito pelo candomblé assim como por outras religiões africanas e também indígenas. É fato que mais adiante em sua filmografia ele irá perceber que os códigos de linguagem destas manifestações funcionam esteticamente como uma grande rebelião contra as formas culturais do imperialismo. Mesmo assim, Glauber está embasado em uma análise materialista da realidade e  apresenta em suas contradições os elementos da cultura popular. Por entre dunas e redes o que está em pauta no filme Barravento é que deve-se lutar contra o fatalismo religioso, já que a Revolução social é um processo necessário para a emancipação do povo brasileiro. 
 Neste processo de revisão crítica do Cinema Novo, fica cada vez mais claro que este está direcionado para os militantes de esquerda. Vamos afirmar de uma vez por todas que o marxismo é uma ferramenta filosófica sem a qual Glauber e o próprio Cinema Novo não teriam deslanchado. Barravento é um começo importante para este estudo porque ele integra uma produção artística revolucionária que foi interrompida pelos milicos com o golpe de 64. Neste momento atual de agitação política que o Brasil vive é vital estudarmos e praticarmos a coragem artística e intelectual verificada na era Goulart. Com todos os seus erros populistas, esta foi uma etapa de onde sobrevive, por exemplo, o primeiro filme de Glauber Rocha.


                                                                      Lúcia Gravas


Filme: Barravento
Ano: 1961
Direção: Glauber Rocha
Local de exibição: Museu da Imagem do Som de Campinas
Quando: Sábado dia 7/09
Horário: 19:30

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

A SITUAÇÃO DO ARTISTA BRASILEIRO

Hoje somos bandidos finalmente atacados pela sagrada SS-CC, pela eficiência suíça da censura federal - hoje estamos nós sem família, sem tradição e sem propriedade , talvez muito mais próximos da verdade do Gigante Explorado, também sem tradição, sem família e sem propriedade.
 Enquanto nós artistas ciscarmos o lixo cultural europeu ou americano, para restaurá-lo, reconstrui-lo e remenda-lo ou industrializa-lo, não haverá problemas. Mas, no meio da carniça, a qualquer ousadia de criação de algo novo, fatalmente os exércitos todos acorrerão. O establishment que para um efeito de unidade de linguagem podemos chamar indevidamente de lei - não vai permitir que se consuma nada de realmente criativo. Num país explorado como o nosso, o novo é inevitavelmente revolucionário, em  qualquer campo, e por isto esta lei não pode permitir que seja consumido. Há uma ideia importada que aqui chega como um lixo cultural , de que somos uma pura sociedade de consumo(???) e que portanto todo protesto é consumido pelo sistema - alienação mais pura. Aí estão as ameaças, os ataques, as proibições, as podações para impedir isso. Uma sociedade que caminha para o fascismo não pode se dar ao luxo de um prazer antropofágico e total como o da arte criadora. Ela só pode se permitir ás sopinhas ralas e amenas que o imperialismo enlata e distribui para seus impérios. E, depois, não se esquecer de que livros e fuzis foram feitos para serem consumidos. 
 Os que fazem arte no Brasil sabem que a situação é clara e que nela nós vamos conseguir fazer aparecer somente 10% do que nós artistas podemos dar dos nossos 20 %. Todos sabemos que seremos os cineastas de, no máximo, dez filmes pela vida toda, diretores de uma peça de teatro cada ano, que faremos nada vezes nada na TV, e que nossa melhor produção musical ficará para nossos amigos. Eu confesso que faço teatro porque encontro no teatro uma satisfação, um prazer que só o bandido encontra no banditismo. Entretanto eu sei que fracassarei como homem de teatro. Na realidade minhas obras completas ficarão reduzidas a três ou quatro volumes e o resto eu vou ter que engolir juntamente com a minha raiva de tudo. E talvez esse resto seja o mais importante de minha vida. No Brasil não há condições de criar com nenhuma liberdade. Vamos engolir nossa obra. Vamos Guarda-Covarde. O que vamos fazer com isso que não foi feito, mas que é a nossa real contribuição criadora? Para onde irá esta energia que surge eufórica quando descobre o caminho, para depois ter que se recalcar reprimida pelo mundo policial aterrorizado com o poder da arte?
 É preciso mostrar ao homem brasileiro um teatro que perturbe o repouso dos sentidos, liberte o inconsciente recalcado, estimule a revolta virtual, imponha á coletividade reunida na sala uma atitude simultaneamente difícil e heroica - isto é Artaud. Um teatro que mate o indivíduo como intelectual, como artista e cultura numa sociedade que não permite que ele exista e o faça renascer como revolucionário.

                                    José Celso Martinez Corrêa, 1968(?)      

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Das Jornadas de junho nasce um novo debate estético

A revolta que irrompe no Brasil contemporâneo apresenta uma produção simbólica que tende a dinamizar o debate estético. Pelo menos todo militante, comunista ou anarquista, já ouviu falar que não existe Revolução política fora da Revolução estética(e esta me parece ser a tônica do nosso blog). Mas acontece que esta evidência cabeluda(um nó cada vez mais embaraçado pelas diferentes concepções artísticas militantes) apresentou nos últimos anos um tratamento muito ralo, para não dizer secundário. Com o estouro de junho, mesmo em sua ampla e contraditória forma política, o debate em torno das expressões artísticas anticapitalistas ganhou um novo gás a partir de uma produção diversificada e na maioria dos casos com um resultado pra lá de porreta. Já publicamos aqui textos e imagens que evidenciam uma nova safra de arte revolucionária(viva a nova arte gráfica e as filmagens em tempo real!). Resta investigar agora como as novas imagens fortalecem a luta política das esquerdas. Já adianto que não tenho o menor interesse em distinguir arte da simbologia usada no protesto político(quem discordar que volte a mamar nas tetas burguesas das Belas Artes!).
 Algumas pessoas já estão dizendo que " os velhos símbolos da esquerda " foram postos de lado por uma nova simbologia que tem sua inspiração na cultura de massa(HQ por exemplo) e na era digital. Que tenham surgido novas formas isto é fato: as novas condições de produção artística são quase que indissociáveis da cultura de massa e do seu lastro digital. Porém, o foco desta prosa não é tão dicotômico assim. Em primeiro lugar a rapaziada tem que tomar cuidado com uma conversa direitista pautada na "crise de representatividade ", já que o que realmente está em crise é o sistema capitalista e sua aparelhagem política e cultural. As bandeiras vermelhas, a foice e o martelo, as imagens de Che Guevara assim como as bandeiras negras e o " A "  de Anarquia, ainda representam conceitos políticos revolucionários(e portanto comunicam seus objetivos políticos).
 Feita esta ressalva contra uma certa tendência que tende a menosprezar a importância da militância de esquerda neste novo vendaval político (os pós-modernos geralmente não entendem nada nem de política e nem de arte...), precisamos ter sobre a mesa um novo debate: as velhas e as novas expressões coexistem nas formas a serem inventadas. Como disse o bom e velho Brecht, a dialética faz com que o novo traga dentro de si o velho, mas numa forma superada. Para a nova geração parece não existir o menor acanhamento em utilizar referências da cultura pop, aonde por exemplo o V, de Vingança também pode ser V de vinagre. Não que não tenha me dado no saco ver as centenas de máscaras inspiradas nos traços do rosto de quem teria sido Guy Fawkes(inglês porra loca que pertenceu a organização Conspiração da Pólvora e tentou assassinar o rei Jaime I em 1605). Nada contra o escritor Alan Moore e o desenhista David Lleoyd, mas é que se cada garoto que usasse a máscara do V conhecesse a filosofia política do anarquismo a fundo, este seria um símbolo muito mais revolucionário/combativo do que comercial/banal. Longe de mim esculhambar a garotada: são eles é que estão criando uma nova linguagem que obriga a esquerda tradicional acertar os ponteiros; mas ainda assim é preciso que a agitação caminhe junto com o estudo pautado no pensamento revolucionário e não no entusiasmo rasteiro.
Insisto que para o debate estético atual das esquerdas se desenvolver, é preciso voltar ao ponto de que o velho e o novo se fundem nos protestos de hoje: Ródtchenko revivido em cartazes irreverentes, Bakunin e a arte pop com V de Vingança ou de Vinagre,  pichações de 68 relidas por quem corre sobre um skate,  cinema de autor fundido em vídeos transmitidos em tempo real, Facebook e poesia concreta, etc. Trata-se de um campo técnico e expressivo de inúmeras possibilidades e que alimenta a arte revolucionária neste começo de século. Para que estes novos frutos cheguem maduros e com velocidade no rosto do burguês, devemos prosseguir com um incansável debate estético fomentador de uma arte de oposição.


                                                    Geraldo Vermelhão
  

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

DO ROMANCE SOCIAL " O QUINZE ", DE RAQUEL DE QUEIROZ

Encostado ao mourão da porteira de paus corridos, o vaqueiro das Aroeiras aboiava dolorosamente, vendo o gado sair(...)Algumas reses, sem ir mais longe, começavam a babujar a poeira do panasco que ainda palhetava o chão nas clareiras da caatinga. Outras, mais tenazes, seguiam cabisbaixas, na mesma marcha pensativa, a cauda abanando lentamente as ancas descarnadas. Chico Bento parou. Alongou os olhos pelo horizonte cinzento. O pasto, as várzeas, a caatinga, o marmeleiral esquelético, era tudo de um cinzento de borralho. O próprio leito das lagoas vidrara-se em torrões de lama ressequida, cortada aqui e além por alguma pacavira defunta que retorcia as folhas empapeladas. Depois olhou um garotinho magro, que, bem pertinho, mastigava sem ânimo uma vergôtea estorricada. E ao dar as costas, rumo á casa, de cabeça curvada como sob o peso do chapéu de couro, sentindo nos olhos secos pela poeira e pelo sol uma frescura desacostumada e um penoso arquejar no peito largo, murmurou desoladamente: " Ó sorte, meu Deus! Comer cinza até cair morto de fome !" .

                                             Raquel de Queiroz, 1930.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

TRECHO DO MANIFESTO " A CLARA TORRE ", DE ANDRÉ BRETON

Foi no negro espelho do anarquismo que o Surrealismo reconheceu-se pela primeira vez, bem antes de definir-se a si mesmo e quando era apenas livre associação entre indivíduos, rejeitando espontaneamente e em bloco as opressões sociais e morais de seu tempo.


                                             André Breton, 1952.

TRECHO DO MANIFESTO DO SINDICATO MEXICANO DE TRABALHADORES, TÉCNICOS, PINTORES E ESCULTORES

A arte do povo mexicano é grande precisamente porque, sendo popular, é coletiva, e é por essa razão que nosso principal objetivo estético consiste em socializar as manifestações artísticas que contribuirão para o total desaparecimento do individualismo burguês.


                                      Siqueiros, 1923.

domingo, 18 de agosto de 2013

ARTE, SINDICALISMO E A LIÇÃO PUNK

 A grande rebelião iniciada com as jornadas de junho está longe de chegar ao fim. Este estouro libertário abriu uma fenda na realidade brasileira, revelando as fraturas expostas da cultura oficial engendrada pelo Estado capitalista.Quanta encrenca para os ricos e engravatados! Parece que cada sorriso fajuto dos anúncios publicitários está ameaçado por um cocktail molotov. O curioso nisso tudo é que toda esta revolta não surgiu das contradições entre capital e trabalho mas da energia batuta de setores da juventude que dizem não, não, não e não a uma esquerda burocratizada e a uma direita golpista. Enquanto a garotada faz uso de uma linguagem revolucionária, produzindo uma estética que assusta o playboy, o movimento dos trabalhadores vive apegado ás imagens que não querem romper com o capitalismo: os pelegos de hoje em dia incutem na cabeça do proletariado sonhos de consumo baseados em automóveis, bundas flutuantes, espetinhos de carne com farofa, produtos eletrônicos e músicas de chiclete cujo gosto desaparece dos ouvidos em poucas semanas. Diante da crise econômica que já faz a água bater na cabeça, será que os sindicatos não podem ir mais a fundo do ponto de vista político e cultural?
  Existe um grande descompasso entre as práticas culturais sindicais e a sensibilidade anárquica que fomenta as rebeliões dos nossos dias. O Black Bloc assusta os ricaços primeiramente pelo seu visual agressivo , que do ponto de vista histórico tem a ver com os movimentos anti globalização do começo do século e mais especificamente com o anarco-punk. Já o nosso sindicalismo rende um culto conformista que se manifesta desde os desenhos publicados na imprensa das categorias operárias (o traçado infantil muitas vezes é acompanhado da mensagem populista) chegando até as músicas que babam em eventos populares. Acredito que para não justificar a repressão policial, a violência tem que ser simbólica e mobilizadora do proletariado: o sindicalismo também deve ser um contexto para experimentações artísticas, para a educação visual que propicia a criação de imagens e símbolos anticapitalistas. Mas enquanto houver uma política conciliadora com as grandes empresas e consequentemente com as imagens e os valores que pretendem converter o trabalhador em consumidor e não em sujeito histórico, as manifestações culturais no mundo do trabalho tendem a ser reacionárias.
  Precisamos cortar este papo furado de que só a classe média está nas ruas: além da estudantada o movimento anarco punk, que marca presença, envolve pessoas originárias tanto da classe média quanto do meio operário(e como tem sido triste observar alguns jovens que se acham punks serem usados como massa de manobra por grupos de direita e de extrema direita nas manifestações de rua). Contradições a parte, as grandes lições estéticas para os lutadores de rua ainda é o punk. Apesar de todas as tentativas da mídia em cooptar o seu visual ou criminalizar as suas ideias, o punk vem apresentando uma grande capacidade de se perpetuar nas últimas décadas como a principal referência cultural na contestação ao chiqueiro burguês. Além das inúmeras influências artísticas nos protestos que vão dos cartazes com referências ao construtivismo russo e a arte pop, as formas punks em suas históricas derivações presentes na arte de rua, vem dando o tom anárquico das manifestações: rostos cobertos, jeans surrado, visual dark, skate em ocupações, gritos e ações que ainda se encaixam no rock sujo e agressivo de três acordes, etc. As ligações históricas do punk com o anarquismo e em menor escala com o comunismo são muitas, apesar das ambiguidades e das confusões ideológicas que em muitos momentos levaram a aproximação do movimento com a extrema direita. 
 Em seu internacionalismo o punk, que explodiu na segunda metade dos anos setenta , renovou o projeto político da anarquia e mostrou para a esquerda localizada no freezer(e que em parte encontra-se ainda congelada...) a necessidade de fazer uso de meios independentes para a criação de uma cultura que devolve na mesma moeda a violência capitalista. Eis um ponto central para não se cair no discurso midiático na hora de julgar as ações do Black Bloc: a violência parte primeiramente do Estado estruturado na propriedade privada e na exploração do trabalho. O grito anárquico que para a garotada de hoje tem sua origem na revolta punk, é uma resposta estética e política ao sistema; a agressividade no visual, na música e em toda extensão simbólica do punk são reações que não podem ser julgadas antes de se colocar em cheque a violência do próprio capitalismo(que o punk denuncia).
  Por que não poderia ocorrer no Brasil um diálogo profundo entre a cultura punk e as práticas culturais dos sindicatos? Qualquer resposta nacionalista é aniquilada pelo próprio punk que torna-se a ferramenta comum entre jovens trabalhadores de vários países ainda hoje. Punk e movimento operário pertencem ao mesmo caldo, é só lembrar por exemplo da banda de punk rock inglesa Crisis, cujos membros militavam nos anos oitenta em organizações como Socialist Works Party e Internacional Marxist Group(agrupamento de trotskistas ingleses). 
 Ou o sindicalismo incorpora a estética que vem das ruas ou morre congelado.


                                                        Marta Dinamite
   

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

DA CONFERÊNCIA DE MÁRIO PEDROSA SOBRE A GRAVURISTA ALEMÃ KAETHE KOLLWITZ

(...) A arte social hoje em dia não é, de fato, um passatempo delicioso: é uma arma. A obra de Kollwitz concorre assim para dividir ainda mais os homens. A dialética na dinâmica social que as leis da psicologia individual não decifram, faz com que uma obra destas, tão profundamente inspirada no amor e fraternidade humana, sirva, entretanto, para alimentar o ódio de classe mais implacável. E com isto está realizada sua generosa missão social.

                                                      Mário Pedrosa, 1933.

sábado, 10 de agosto de 2013

ESTÉTICA E DESTRUIÇÃO

As diferentes formas de embelezamento estratégico  são em nossos dias colocadas em cheque pelas lutas sociais. Dos telhados bem penteados da Paris de Hausmann no século XIX até os signos digitais do capital (que nas últimas décadas infestaram internacionalmente a percepção das massas) a opressão possui uma inegável dimensão estética. Entretanto, existe no contraponto da ação política um potencial revolucionário de sabotagem cultural.  Mas a que se destina no Brasil de hoje todo este legitimo esforço pautado na contestação? Sabemos que as respostas passam pela indissociável relação entre estética e política, mas é preciso clareza para que uma nova simbologia revolucionária tome de fato as ruas e mais importante: se comunique com os trabalhadores.As esquerdas podem fazer uma série de críticas ás táticas anarquistas, mas o fato é que a partir destas todo um  grande debate estético se realiza hoje entre militantes revolucionários: a profanação das imagens e dos espaços capitalistas em meio a crise econômica deste sistema.Além disto nos tocar de perto, acreditamos que o atual momento impõe aos artistas e teóricos da arte a necessidade de resoluções estéticas revolucionárias.
 O Black Bloc por exemplo, vem despertando toda uma sensibilidade iconoclasta ao depredar patrimônios públicos e privados. Não deixa de ser muito divertido assistir a classe média em pânico perante estes novos Enrangés mascarados, andando de skate e queimando fumo em espaços solenes. Entretanto qual seria o ganho político que a classe trabalhadora possui diante destas ações? Sabemos que a destruição das imagens da cultura dominante e dos espaços representantes do poder público, são marcas  registradas dos movimentos políticos revolucionários ao longo da História. Mas ainda assim, como esta desconstrução da ordem representa nos nossos dias um outro projeto de sociedade? Façamos aqui também a distinção da crítica burguesa da crítica de esquerda neste âmbito: não se trata de apoiar a violência e a depredação. Não  por motivos moralistas mas táticos, afinal a exemplo da pequena-burguesia grande parte do proletariado(ainda mergulhado nos signos do capital), não compartilha deste espetáculo iconoclasta. Sendo assim, perante a direita cuja resposta tende a ser cada vez mais violenta(afinal o Black Bloc diz a verdade quanto afirma que " vândalo é o Estado "), como combinar contestação política e libertação da percepção escravizada?
 Destruição desprovida de um projeto político capaz de reconstruir sobre novas bases a sociedade é tão ineficaz quanto agir sem a presença da única força histórica que possui condições de destruir o capital: a classe operária. É somente através da educação política revolucionária que o proletariado pode impedir o endurecimento do Estado capitalista(e precisamos ter em mente que o fascismo é uma criação recente para  defender o capitalismo das revoltas sociais). Sendo assim, a educação revolucionária não pode se restringir nos quadros habituais da esquerda(partidos, sindicatos, etc). Tais elementos devem coexistir com ações revolucionárias na esfera simbólica: alguns companheiros podem ficar no reducionismo econômico das jornadas salariais e outros podem quebrar bancos, mas não ocorre nenhum esforço concreto para modificar a percepção dos trabalhadores. Isto tudo não torna menos isento o próprio esforço de artistas e militantes da cultura hoje, vejam o nosso exemplo: qual alcance nossos artigos, vídeos, poemas, romances, peças teatrais, canções, possuem?  Existe muito trabalho pela frente...
 Neste momento de crise, é preciso que a luta do artista seja política e a luta política possua uma dedicação artística. É chegada a hora de construir uma alternativa política e sensível para o socialismo. Diante da abertura simbólica colocada pelos companheiros anarquistas, é preciso estudar e agir na esfera da representação de modo eficaz, chamando a atenção dos trabalhadores para o campo da ação artística: a força revolucionária da arte, a violência e a crueldade contidas na experiência estética são muito mais eficazes do que qualquer forma gratuita de quebradeira. " Eficazes? " Sim, na medida em que articulada com a luta política, a arte participa da construção da realidade revolucionária, questionando as imagens capitalistas intojetadas na população. A destruição é mais profunda e menos óbvia.



                                             Afonso Machado

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Duas cenas da peça O HOMEM E O CAVALO, de Oswald de Andrade

CENA IV:
Os mesmos e São Pedro

 SÃO PEDRO:- Vejam a paisagem! Que maravilha, meus filhos!Venham ver o mapa-múndi!

MALVINA(da janela): - Que ventania!

O POETA-SOLDADO:- Boa para a guerra química.

QUERUBINA:- Estou enjoando. (Vomita a um canto).

MALVINA(deixando a janela) :- Não olhem, dá vertigem!

A VOZ DE ICAR:- É aqui que se engendra o granizo e se encaroçam as neves.

SÃO PEDRO:- O mar lá embaixo! Cheio de peixes!

O POETA-SOLDADO:- É a região dos trovões! É preciso fascistizar o mundo! (trepa a uma mesinha). Desafiai o destino! Desprezai a morte! Conduzi vossas esperanças para lá de toda sabedoria, de todo medo, de todo pudor!

O rádio fala.

  SÃO PEDRO(alarmado) :- Escuta! Cala essa boca: Mitingueiro!
Você não ouve o rádio?... Parece que qualquer coisa de grave está se passando lá embaixo. Na América do Sul. Eu distingui. Silêncio!

Todos se tornam atentos.

O RÁDIO:- Oooooooooooooo! O povo invade, não respeita nada!

O POETA-SOLDADO:- Mamma mia!

O RÁDIO:- O povo protesta...Um tiro certeiro! A polícia toma posição no campo para evitar maiores desordens...

Barulho inintelegível.

SÃO PEDRO:- Parece que é uma Revolução!

O POETA SOLDADO:- Que droga! Será a Revolução social? Volto para o céu!

SÃO PEDRO:- Deve ser! Que barulho!

O RÁDIO:- Ministrinho passa a bola. Com um certeiro tiro, Friedenreich marca o primeiro gol para o São Paulo...

SÃO PEDRO(fechando o rádio):- Ora essa! É uma partida de futebol no Brasil. Podemos ficar tranquilos. As massas iludidas ainda se divertem com isso.

O POETA-SOLDADO(Retomando a sua posição de comício) :- Heil!Heil!Duce!Heil!. Que a máquina do universo pereça na psicose da guerra!

SÃO PEDRO:- Se você continua esse discurso, eu abro o rádio.
(Abre)

O RÁDIO: Terra ! A Terra! P.R.A.O.T. Terra firme. O objeto do trabalho humano. As provisões. O meios de vida. Os celeiros capitalistas! E a fome das massas!

O POETA-SOLDADO: É uma estação bolchevista! Muda!

AS QUATRO:- Ora, vamos ouvir!

O RÁDIO:- Terra! Humanidade! As trocas entre o homem e a natureza. A evolução! O capital! A luta contra o capital!

A VOZ DE ICAR:- Estamos caindo?

AS QUATRO:- Aonde?

A VOZ DE ICAR:- Prognóstico confirmado! Inglaterra!

SÃO PEDRO:- Olha lá embaixo! Uma corrida de cavalos vivos! Eu conheço. É o Derby de Epsom. O maior prado do mundo. Agora sim, vocês podem jogar grosso.

O POETA SOLDADO:- Eia! Eia! Alalá! Destruição, marcha atrás de mim! Eu te abrirei de par em par os caminhos da Glória! Possuo o coração de Macbeth e a bolsa de Rockfeller!

CENA V:
Os mesmos e o Divo.

O DIVO(Aparece bêbado, á porta da cabina de comando). :- Acabou o éter! Estamos na atmosfera! Garçom! Um uísque!


Pano.




                                      Oswald de Andrade, 1934.

 

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

COMUNICADO DE APOIO AO CINEMA DE GUERRILHA DA BAIXADA

Quando os pesquisadores do futuro olharem para as imagens do nosso tempo, será observado(pelos mais atentos) que nem tudo no cinema brasileiro deste começo de século compactuou com a cultura dominante. Este é o caso do Cinema de Guerrilha da Baixada , que nos últimos tempos exerce um papel fundamental na produção cinematográfica atual. Este pessoal sabe que a tática da guerrilha é a única saída para os artistas revolucionários, para os cineastas que pretendem estabelecer uma reflexão contundente sobre as realidades do Brasil. O caso do ator Fernando Silva, que faleceu recentemente em decorrência de problemas respiratórios, é exemplar: enquanto está sendo averiguado se sua morte foi resultante da inalação de gás lacrimogênio numa manifestação no Rio de Janeiro em 30 de julho,  nós gostaríamos de expressar a nossa admiração por Fernando. Afinal, independentemente da razão de sua morte, ele enquanto artista estava na rua, protestando, lutando. Ele sabia que não existe artista sem ação.



                                  CONSELHO EDITORIAL LANTERNA

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

O CINEMA DE ROBERTO PIRES

O ciclo Revisão Crítica do Cinema Novo, promovido pelo blog Lanterna em parceria com o museu da Imagem e do Som da cidade de Campinas, é um evento cultural importantíssimo: debater o legado estético e político do Cinema Novo é uma tarefa que se coloca para os militantes do cinema revolucionário. Diante do atual cinema brasileiro desprovido de utopia(e sabemos muito bem que sem as imagens utopia torna-se apenas uma palavra de origem grega), insistimos na necessidade de se estudar as lições cinematográficas deste que é o movimento mais significativo da História do cinema brasileiro.
 Dando continuidade aos precursores do Cinema Novo, mais uma vez é colocada em questão a genialidade da escola baiana. No caso de Roberto Pires especialmente, encontramos na tensão entre espetáculo e ideologia um grande esforço para se compreender as dificuldades do povo brasileiro. Em A Grande Feira, filme de 1961, que iremos exibir no próximo sábado(conferir data e horário no fim deste texto), encontramos os dramas humanos na mitológica feira Água de Meninos. Os tipos populares encarnados em Ronny(marinheiro), Ricardo(receptor de cargas roubadas) e Chico Diabo(ladrão que pretende incendiar a feira), possuem uma grande riqueza literária que se resolve plasticamente na câmera de Pires.
  A originalidade cinematográfica para retratar o conflito entre trabalhadores e capitalistas em A Grande Feira , deve-se a parceria de Roberto Pires com Rex Schindler(este último responsável pelo argumento do filme). Graças a esta dupla o resultado é um grande impulso anárquico contra a opressão e um olhar pertinente sobre as diferenças sociais no Brasil.

                                                    Lenito


FILME: A Grande Feira
ANO: 1961
DIREÇÃO: Roberto Pires
LOCAL: Museu da Imagem e do Som de Campinas
QUANDO: Sábado, dia 3 de agosto
HORÁRIO: 19:30


quinta-feira, 1 de agosto de 2013

ARTE E ORGANIZAÇÃO SOCIAL

...Certos períodos de máximo desenvolvimento da arte não tem ligação direta com o desenvolvimento geral da sociedade, nem com a base material e a estrutura da sua organização.


                                                   Karl Marx