quinta-feira, 27 de outubro de 2011

UMA ESTÉTICA DA FOME


UMA ESTÉTICA DA FOME:
Do Cinema Novo: Uma Estética da violência antes de ser primitiva é revolucionária, eis ai o ponto inicial para que o colonizador compreenda a existência do colonizado: Somente conscientizando sua possibilidade única, a violência, o colonizador pode compreender , pelo horror, a força da cultura que ele explora. Enquanto não ergue as armas, o colonizado é um escravo: Foi preciso um primeiro policial morto para que o francês percebesse um argelino.
De uma moral: Essa violência, com tudo, não está incorporada ao ódio, como também não diriamos que está ligada ao velho humanismo colonizador. O amor que esta violência encerra é tão brutal quanto a própria violência, porque não é um amor de complacência, mas um amor de ação e transformação.
(...) Onde houver um cineasta disposto a filmar a verdade e a enfrentar os padrões hipócritas e policialescos da censura intelectual, aí haverá um germe vivo do Cinema Novo. Onde houver um cineasta disposto a enfrentar o comercialismo, a exploração, a pornografia, o tecnicismo, aí haverá um germe no Cinema Novo. Onde houver um cineasta de qualquer idade ou procedência, pronto a pôr seu cinema e sua profissão a serviço das causas importantes de seu tempo, aí haverá um germe do Cinema Novo.
Glauber Rocha, 1965.

AS TENDÊNCIAS SOCIAIS DA ARTE DE KATHE KOLLWITZ


AS TENDÊNCIAS SOCIAIS DA ARTE DE KATHE KOLLWITZ:
É a artista da mulher proletária. A força popular instintiva profunda desta, sua imensa capacidade de afeição e de sofrimento, aquela jovialidade e simpatia apesar de tudo diante da vida, tudo isto ela gravou na simplificação comovente da madeira com uma rispidez quase hostil mas realçando pelo contraste a violência e a profundeza do sentimento expresso. A intensidade dramática que a madeira violentada revela é de tal ordem que a obra de arte atinge aqui a unidade e a integração ideal entre a vontade e o sentimento do artista e a capacidade interior de expressão do próprio material.
Essa profundeza de compreensão sentimental que mostra é um dos traços femininos mais tipicos de sua sensibilidade [...}. Aquele ambiente tenebroso em que são envolvidas as suas figuras representa a fatalidade social da classe inimiga: {...}aquela vida dolorosa e trágica de sua gente trai a reação feminina de sua sensibilidade que é puramente instintiva e sentimental{...}. Essa sensibilidade não tem apuros de sentimentos nem requintes intelectuais. É simples e banal, mas é imensa.
Mário Pedrosa, 1933.

Qual a dificuldade entre artista e povo?


Qual a dificuldade entre artista e povo?
É justamente a barreira criada durante séculos de monopólio da "elite" sobre a arte. Mas o inevitável está acontecendo: A derrubada do monopólio e o descrédito das chamadas "elites sociais "e "intelectuais ". Uma nova era, que chamo Antiarte, está começando: É A ERA DA GRANDE PARTICIPAÇÃO POPULAR NO CAMPO DA CRIAÇÃO.

Hélio Oiticica, 1966.

Ananás


Come ananás:
Come ananás, mastiga perdiz
Teu dia está prestes, burguês.
Vladímir Maiakóvski, 1917.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

ASFIXIANTE CULTURA


Sou individualista, isto é, considero que meu papel de indivíduo é opor-me a todo constrangimento ocasionado pelos interesses do bem social. Os interesses do indivíduo são opostos aos do bem social. Cabe ao Estado zelar pelo bem social, a mim zelar pelo bem do indivíduo. Do Estado, só conheço um rosto, o da polícia. NÃO POSSO IMAGINAR O MINISTRO DA CULTURA SENÃO COMO A POLÍCIA DA CULTURA. O antagonismo entre a razão de Estado e o vigor sadio do individualismo dá ao mar social um movimento interno de suas águas que as vivificam. Mas apenas sob a condição de que o indivíduo mantenha-se em sua posição de objetor, de insubordinado.
Jean Dubuffet, 1968.

sábado, 22 de outubro de 2011

Manifesto da Fiari



POR UMA ARTE REVOLUCIONÁRIA INDEPENDENTE

André Breton e Leon Trotsky

1) Pode-se pretender sem exagero que nunca a civilização humana esteve ameaçada por tantos
perigos quanto hoje. Os vândalos, com o auxílio de seus meios bárbaros, isto é,
deveras precários, destruíram a civilização antiga num canto limitado da
Europa. Atualmente, é toda a civilização mundial, na unidade de seu destino
histórico, que vacila sob a ameaça das forças reacionárias armadas com toda a
técnica moderna. Não temos somente em vista a guerra que se aproxima. Mesmo
agora, em tempo de paz, a situação da ciência e da arte se tornou absolutamente
intolerável.
2) Naquilo que ela conserva de individualidade em sua gênese, naquilo que aciona
qualidades subjetivas para extrair um certo fato que leva a um enriquecimento
objetivo, uma descoberta filosófica, sociológica, científica ou artística
aparece como o fruto de um acaso precioso, quer dizer, como uma
manifestação mais ou menos espontânea da necessidade. Não se poderia
desprezar uma tal contribuição, tanto do ponto de vista do conhecimento geral
(que tende a que a interpretação do mundo continue), quanto do ponto de vista
revolucionário (que, para chegar à transformação do mundo, exige que tenhamos
uma idéia exata das leis que regem seu movimento). Mais particularmente, não
seria possível desinteressar-se das condições mentais nas quais essa
contribuição continua a produzir-se e, para isso, zelar para que seja garantido
o respeito às leis específicas a que está sujeita a criação intelectual.
3) Ora, o mundo atual nos obriga a constatar a violação cada vez mais geral dessas leis,
violação à qual corresponde necessariamente um aviltamento cada vez mais
patente, não somente da obra de arte, mas também da personalidade “artística”.
O fascismo hitlerista, depois de ter eliminado da Alemanha todos os artistas
que expressaram em alguma medida o amor pela liberdade, fosse ela apenas
formal, obrigou aqueles que ainda podiam consentir em manejar uma pena ou um
pincel a se tornarem os lacaios do regime e a celebrá-lo de encomenda, nos
limites exteriores do pior convencionalismo. Exceto quanto à propaganda, a
mesma coisa aconteceu na URSS durante o período de furiosa reação que agora
atingiu seu apogeu.
4) É evidente que não nos solidarizamos por um instante sequer, seja qual for seu sucesso
atual, com a palavra de ordem: “Nem fascismo nem comunismo”, que corresponde à
natureza do filisteu conservador e atemorizado, que se aferra aos vestígios do
passado “democrático”. A arte verdadeira, a que não se contenta com variações
sobre modelos prontos, mas se esforça por dar uma expressão às necessidades
interiores do homem e da humanidade de hoje, tem que ser revolucionária, tem
que aspirar a uma reconstrução completa e radical da sociedade, mesmo que fosse
apenas para libertar a. criação intelectual das cadeias que a bloqueiam e
permitir a toda a humanidade elevar-se a alturas que só os gênios isolados atingiram
no passado. Ao mesmo tempo, reconhecemos que só a revolução social pode abrir a
via para uma nova cultura. Se, no entanto, rejeitamos qualquer solidariedade
com a casta atualmente dirigente na URSS, é precisamente porque no nosso
entender ela não representa o comunismo, mas é o seu inimigo mais pérfido e
mais perigoso.
5) Sob a influência do regime totalitário da URSS e por intermédio dos organismos ditos
“culturais” que ela controla nos outros países, baixou no mundo todo um
profundo crepúsculo hostil à emergência de qualquer espécie de valor
espiritual. Crepúsculo de abjeção e de sangue no qual, disfarçados de
intelectuais e de artistas, chafurdam homens que fizeram do servilismo um
trampolim, da apostasia um jogo perverso, do falso testemunho venal um hábito e
da apologia do crime um prazer. A arte oficial da época estalinista reflete com
uma crueldade sem exemplo na história os esforços irrisórios desses homens para
enganar e mascarar seu verdadeiro papel mercenário.
6) A surda reprovação suscitada no mundo artístico por essa negação desavergonhada dos
princípios aos quais a arte sempre obedeceu, e que até Estados instituídos
sobre a escravidão não tiveram a audácia de contestar tão totalmente, deve dar
lugar a uma condenação implacável. A oposição artística é hoje uma das
forças que podem com eficácia contribuir para o descrédito e ruína dos regimes
que destroem, ao mesmo tempo, o direito da classe explorada de aspirar a um
mundo melhor e todo sentimento da grandeza e mesmo da dignidade humana.
7) A revolução comunista não teme a arte. Ela sabe que ao cabo das pesquisas que se podem
fazer sobre a formação da vocação artística na sociedade capitalista que
desmorona, a determinação dessa vocação não pode ocorrer senão como o resultado
de uma colisão entre o homem e um certo número de formas sociais que lhe são
adversas. Essa única conjuntura, a não ser pelo grau de consciência que resta
adquirir, converte o artista em seu aliado potencial. O mecanismo de sublimação,
que intervém em tal caso, e que a psicanálise pôs em evidência, tem por objeto
restabelecer o equilíbrio rompido entre o “ego” coerente e os elementos
recalcados. Esse restabelecimento se opera em proveito do ”ideal do ego” que
ergue contra a realidade presente, insuportável, os poderes do mundo interior,
do “id”, comuns a todos os homens e constantemente em via de
desenvolvimento no futuro. A necessidade de emancipação do espírito só tem que
seguir seu curso natural para ser levada a fundir-se e a revigorar-se nessa
necessidade primordial: a necessidade de emancipação do homem.
8) Segue-se que a arte não pode consentir sem degradação em curvar-se a qualquer diretiva
estrangeira e a vir docilmente preencher as funções que alguns julgam poder
atribuir-lhe, para fins pragmáticos, extremamente estreitos. Melhor será
confiar no dom de prefiguração que é o apanágio de todo artista autêntico, que
implica um começo de resolução (virtual) das contradições mais graves de sua
época e orienta o pensamento de seus contemporâneos para a urgência do estabelecimento
de uma nova ordem.
9) A idéia que o jovem Marx tinha do papel do escritor exige, em nossos dias, uma retomada
vigorosa. É claro que essa idéia deve abranger também, no plano artístico e
científico, as diversas categorias de produtores e pesquisadores. "O
escritor, diz ele, deve naturalmente ganhar dinheiro para poder viver e
escrever, mas não deve em nenhum caso viver e escrever para ganhar dinheiro...
O escritor não considera de forma alguma seus trabalhos como um meio.
Eles são objetivos em si, são tão pouco um meio para si mesmo e para os
outros que sacrifica, se necessário, sua própria existência à existência de
seus trabalhos... A primeira condição da liberdade de imprensa consiste em
não ser um ofício. Mais que nunca é oportuno agora brandir essa declaração
contra aqueles que pretendem sujeitar a atividade intelectual a fins exteriores
a si mesma e, desprezando todas as determinações históricas que lhe são
próprias, dirigir, em função de pretensas razões de Estado, os temas da arte. A
livre escolha desses temas e a não-restrição absoluta no que se refere ao campo
de sua exploração constituem para o artista um bem que ele tem o direito de
reivindicar como inalienável. Em matéria de criação artística, importa
essencialmente que a imaginação escape a qualquer coação, não se deixe sob
nenhum pretexto impor qualquer figurino. Àqueles que nos pressionarem, hoje ou
amanhã, para consentir que a arte seja submetida a uma disciplina que
consideramos radicalmente incompatível com seus meios, opomos uma recusa inapelável
e nossa vontade deliberada de nos apegarmos à fórmula: toda licença em arte.
10)Reconhecemos, é claro, ao Estado revolucionário o direito de defender-se contra
a reação burguesa agressiva, mesmo quando se cobre com a bandeira da ciência ou
da arte. Mas entre essas medidas impostas e temporárias de autodefesa
revolucionária e a pretensão de exercer um comando sobre a criação intelectual
da sociedade, há um abismo. Se, para o desenvolvimento das forças produtivas
materiais, cabe à revolução erigir um regime socialista de plano
centralizado, para a criação intelectual ela deve, já desde o começo,
estabelecer e assegurar um regime anarquista de liberdade individual. Nenhuma
autoridade, nenhuma coação, nem o menor traço de comando! As diversas associações
de cientistas e os grupos coletivos de artistas que trabalharão para resolver
tarefas nunca antes tão grandiosas unicamente podem surgir e desenvolver um
trabalho fecundo na base de uma livre amizade criadora, sem a menor coação
externa.
11) Do que ficou dito decorre claramente que ao defender a liberdade de criação, não pretendemos
absolutamente justificar o indiferentismo político e longe está de nosso
pensamento querer ressuscitar uma arte dita “pura” que de ordinário serve aos
objetivos mais do que impuros da reação. Não, nós temos um conceito muito
elevado da função da arte para negar sua influência sobre o destino da
sociedade. Consideramos que a tarefa suprema da arte em nossa época é
participar consciente e ativamente da preparação da revolução. No entanto, o
artista só pode servir à luta emancipadora quando está compenetrado
subjetivamente de seu conteúdo social e individual, quando faz passar por seus
nervos o sentido e o drama dessa luta e quando procura livremente dar uma
encarnação artística a seu mundo interior.
12) Na época atual, caracterizada pela agonia do capitalismo, tanto democrático quanto
fascista, o artista, sem ter sequer necessidade de dar a sua dissidência social
uma forma manifesta, vê-se ameaçado da privação do direito de viver e de
continuar sua obra pelo bloqueio de todos os seus meios de difusão. É natural
que se volte então para as organizações estalinistas que lhe oferecem a
possibilidade de escapar a seu isolamento. Mas sua renúncia a tudo que pode
constituir sua mensagem própria e as complacência degradantes que essas
organizações exigem dele em troca de certas possibilidades materiais lhe
proíbem manter-se nelas, por menos que a desmoralização seja impotente para
vencer seu caráter. É necessário, desde este instante, que ele
compreenda que seu lugar está além, não entre aqueles que traem a causa da
revolução e ao mesmo tempo, necessariamente, a causa do homem, mas entre
aqueles que dão provas de sua fidelidade inabalável aos princípios dessa
revolução, entre aqueles que, por isso, permanecem como os únicos qualificados
para ajudá-Ia a realizar-se e para assegurar por ela a livre expressão ulterior
de todas as manifestações do gênio humano.
13) O objetivo do presente apelo é encontrar um terreno para reunir todos os defensores
revolucionários da arte, para servir a revolução pelos métodos da arte e
defender a própria liberdade da arte contra os usurpadores da revolução.
Estamos profundamente convencidos de que o encontro nesse terreno é possível
para os representantes de tendências estéticas, filosóficas e políticas
razoavelmente divergentes. Os marxistas podem caminhar aqui de mãos dadas com
os anarquistas, com a condição que uns e outros rompam implacavelmente com o
espírito policial reacionário, quer seja representado por Josef Stálin ou por
seu vassalo Garcia Oliver.
14) Milhares e milhares de pensadores e de artistas isolados, cuja voz é coberta pelo
tumulto odioso dos falsificadores arregimentados, estão atualmente dispersos no
mundo. Numerosas pequenas revistas locais tentam agrupar a sua volta forças
jovens, que procuram vias novas e não subvenções. Toda tendência progressiva na
arte é difamada pelo fascismo como uma degenerescência. Toda criação livre é
declarada fascista pelos estalinistas. A arte revolucionária independente deve
unir-se para a luta contra as perseguições reacionárias e proclamar bem alto
seu direito à existência. Uma tal união é o objetivo da Federação Internacional
da Arte Revolucionária Independente (FIARI) que julgamos necessário criar.
15) Não temos absolutamente a intenção de impor cada uma das idéias contidas neste apelo, que
nós mesmos consideramos apenas um primeiro passo na nova via. A todos os
representantes da arte, a todos seus amigos e defensores que não podem deixar
de compreender a necessidade do presente apelo, pedimos que ergam a voz
imediatamente. Endereçamos o mesmo apelo a todas as publicações independentes
de esquerda que estão prontas a tomar parte na criação da Federação
Internacional e no exame de suas tarefas e métodos de ação.
16) Quando um primeiro contato internacional tiver sido estabelecido pela imprensa e pela
correspondência, procederemos à organização de modestos congressos locais e
nacionais. Na etapa seguinte deverá reunir-se um congresso mundial que
consagrará oficialmente a fundação da Federação Internacional.
O que queremos:
a independência da arte - para a revolução
a revolução - para a liberação definitiva da arte.


Cidade do México, 25 de julho de 1938

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

ARTE REVOLUCIONÁRIA CONTRA A BARBÁRIE:


“A cultura é a regra, a arte a
exceção “. Esta frase do cineasta francês Jean Luc Godard nos remete a idéia de
que enquanto a cultura expressa a norma, a castração e a inserção do individuo
em códigos de linguagem que por sua vez expressam as instituições dominantes, a
arte seria sempre transgressão, extravasamento,protesto,transbordamento,
revolta. Isto envolveria a História da arte como um todo? Certamente não
podemos deixar de encontrar também na arte não apenas o desejo de emancipação
frente a uma determinada ordem social, mas em
idêntica proporção uma força ideológica capaz de conservar a cultura que
por sua vez legitima a organização econômica e política de uma dada sociedade.
Nos dias atuais a situação da arte além de não abranger apenas categorias
tradicionais de linguagem nos respectivos gêneros artísticos(literatura,
pintura, arquitetura, música, etc) remete a um amplo panorama composto desde
uma atitude estética que almeja o estranhamento (e ao mesmo tempo não revela
uma consistência maior quanto ao sentido da sua ação transformadora no ser),
passando por coletivos vanguardistas ao redor do mundo(em sua maioria
marginalizados), pela produção artística das periferias mundiais( vide por
exemplo a cultura Hip Hop) e chegando a ameaça totalitária de reificação do
homem através da indústria cultural(do cinema de Hollywood até outras formas de
massificação no audiovisual, na música e nas artes como um todo).
Arte e comércio tem submetido a experiência
estética segundo o critério do lucro. De um modo geral o cenário da arte
contemporânea bem como das letras tem o
seu ritmo produtivo condicionado pelas leis de mercado,estranhas as
necessidades subjetivas que culminam na criação artística. Portanto o
imperativo empreendedor funciona enquanto mecanismo repressivo e alienante, que
nega a promessa de liberdade contida na própria ação artística(no nosso tempo
esta última é indissociável da revolta e da recusa). A este cenário deplorável
a crítica e a academia enquanto forças aliadas ao capital, tem como critério a
abordagem de manifestações interessadas na perpetuação da sociedade capitalista.
Que o crítico e o acadêmico sejam em sua esmagadora maioria lacaios da ordem
burguesa, isto não apresenta nenhuma novidade. No entanto(e o mais grave) é que
o próprio artista contemporâneo de um modo geral, negando o seu papel
transgressor acaba também por abandonar a idéia de programas, filiações
estéticas e sobretudo movimentos artísticos, culminando deste modo na figura do
agente recreativo que arranca no máximo sorrisos da classe média em seus
setores “intelectualizados”. Obviamente que muitos artistas contemporâneos
conscientemente ou não, apresentam intervenções e criações que ainda não
abandonaram a contestação do nosso modo de vida. Porém muito mais do que
suscitar uma reflexão momentânea através de uma instalação por exemplo , é o
elo com a arte moderna e as suas qualidades utópicas que ameaça ser quebrado
pelo atual cenário. Conquistas estéticas existem, mas desvinculadas da energia rebelde, hoje
desqualificada enquanto postura anacrônica do século passado. Trata-se portanto
da banalização das conquistas revolucionárias da arte moderna que agora
torna-se refém do mercado e da intervenção banal, sem maiores propósitos.
Paralelamente, no pólo das manifestações de massa que funcionam enquanto
expressão do mundo tal como ele está organizado, encontramos um forte
sustentáculo para o espetáculo mercantil que sufoca outras possibilidades de se
comportar, agir e sentir.

Estabelecer uma reflexão sobre a validade e em especial sobre a
significação da arte no nosso tempo, envolve não o abandono mas a evocação dos
principais impasses estéticos da modernidade. As heranças dos movimentos de
vanguarda (que se desdobraram em correntes construtivistas e oníricas), do
espírito romântico de teor anticapitalista, da arte engajada e também da
contracultura, precisam ser assumidas não enquanto processo de criação
superficial, mas sim em suas bases filosóficas. Frente ao relativismo
pós-moderno novas formas de oposição artística devem responder com o cultivo
das tradições revolucionárias da arte. Esta seria uma precaução ao histórico
processo de absorção e da conseqüente neutralização de obras, escolas e
movimentos que após escandalizarem a sociedade burguesa em seus respectivos
momentos, tornam-se mais tarde uma simples curiosidade museológica(que aliás
move muito dinheiro).

A sociedade capitalista em seu intrínseco processo de mercantilização da
vida, interfere na natureza desinteressada da experiência estética e converte o
objeto artístico em uma mercadoria como qualquer outra. Além deste
constrangimento que o artista romântico presenciou já no século XIX,
encontramos não somente o condicionamento da arte e da literatura segundo as
leis de regulamentação e distribuição industrial, mas o surgimento de novas
significações sociais para a arte, agora, “retirada” do seu ambiente sagrado e
desprendida de resquícios clássicos e medievais. Walter Benjamin percebeu em
seu clássico ensaio A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica(1936) ,
que o objeto artístico perdeu a sua aura, a sua unicidade, o seu vinculo
metafísico, para acompanhar o processo de reprodução ilimitada possibilitada pelas novas
condições técnicas. A arte deixa de ser a um só tempo representação da natureza
e privilégio de classe, e passa a estar destinada a multiplicidade revelada
pela fotografia e intensificada pelo cinema(hoje tal nível de reprodução das
imagens adquire uma dimensão vertiginosa com a era da cultura digital). Levando
em conta agora a inserção das artes no contexto industrial, nos aproximamos da
situação histórica que define a arte do nosso tempo: Do ponto de vista da
conservação social podemos concluir que nos nossos dias a expansão da imagem(
caberia acrescentar também de sons e palavras) remete de maneira hegemônica á
experiência estética que promove a massificação e portanto representa o povo
sem alterar as suas relações de produção; Acrescente-se ainda a manipulação dos
desejos e a banalização da arte enquanto entretenimento irresponsável.
Entretanto, levando em conta o impacto das novas realidades técnicas na arte,
vislumbramos como já apontou Benjamin, novas possibilidades para “a politização da arte”, que está á serviço da
emancipação social. Chamando a atenção em especial para os meios de produção
culturais da atualidade presenciamos o surgimento de novos suportes que por sua
vez levam a descentralização e a autonomia da criação artística.Mais do que
nunca podemos falar em possibilidades concretas para se combater a indústria
cultural segundo a estratégia da guerrilha cultural. Exemplos não faltam: Vejam
as potentes e precisas câmeras redefinindo o audiovisual, ouçam a produção e a
circulação online de canções, leiam blogs e sites que resultam em publicações
eletrônicas, que por sua vez alteram os espaços de criação literária, visual e
de crítica. Diante destas novas
condições técnicas cabe ao artista compreender o legado da modernidade para se
criar novas iniciativas, novos desdobramentos.

Se a dessacralização da obra de
arte no universo laico das relações capitalistas é um fato, a encruzilhada da
História reservou um destino duplo para a criação artística. De um lado a arte
tende a anular as suas qualidades de recusa e de rebelião na massificação, do outro
reserva para si a tentativa guerrilheira de afirmar-se enquanto manifestação
sensível que se opõem a sociedade burguesa. Trata-se de uma cilada histórica em
que a arte divide-se entre a sua própria
negação na indústria cultural(que a simplifica e a banaliza enquanto componente
de adestramento psicológico para conservar a ordem) e a luta pela sua
identidade libertária preservada por programas que defendem formas de arte
revolucionária.

Evidentemente que na era contemporânea nem tudo aquilo que está vinculado
aos meios de comunicação de massa deve ser encarado automaticamente enquanto
alienação, basta lembrarmo-nos por exemplo de que o universo da música pop já
revelou exemplares manifestações de crítica e de revolta: Do Rock ao Rap. Mas
levando em conta que isto são exemplos raros e que pendem cada vez mais para a
sua neutralização através do consumo, como definir esta forma de resistência a
que podemos designar de arte revolucionária? Tal conceituação abrange um quadro
plural, ambíguo, muitas vezes aberto a mal entendidos e até mesmo a negação da
arte enquanto expressão revolucionária. Seria precipitado supor que arte
revolucionária é tão somente aquela que fala de idéias políticas. Sem dúvida
que a arte pode tematizar a vida política como nos demonstra uma série de
exemplos históricos. Entretanto a arte em si mesma, pelo seu material sensível
irredutível a conceitos( que não podem se impor á priori na criação sem violar
a própria arte) designa também a insurreição do universo interior do individuo
contra uma realidade intolerável. É na liberação do inconsciente que o desejo a
ser compartilhado entre os homens na experiência estética, pode fazer da arte
livre e solta uma força naturalmente subversiva, que pela sua violência pode
ser mais eficiente do que uma arte explicativa.

De qualquer modo, exteriorizando o desejo ou abordando objetivamente a
realidade, para a arte ser verdadeiramente revolucionária é preciso que nenhuma
forma de controle e nenhum imperativo externo a descaracterize. Portanto, remetendo-se
as idéias de André Breton e Leon Trotski no clássico Manifesto por uma arte revolucionária independente(1938), a arte
que se opõem a sociedade estabelecida deve ser independente. Tal condição é
imprescindível para que a arte não seja alvo da histórica cooptação envolvendo
artistas e movimentos para servirem ao Estado totalitário(fascista, stalinista
e teocrático) e a Indústria cultural(hoje mais do que nunca inseparável das
democracias burguesas).

As relações entre Arte e Revolução devem ser precisadas não enquanto
reflexo ou submissão da primeira a segunda, mas enquanto um amplo processo que
atende ao desejo de transformação social. Neste processo, independentemente do
modelo de Revolução política em questão, a oposição artística revela um papel
específico, autônomo, de fazer da imaginação um levante contra a realidade e
exigir ao homem que ele viva de acordo com o seu próprio desejo, na sua
totalidade(a arte tem por tarefa restituir o homem consigo mesmo).

Ausente dos principais debates estéticos atuais(se é que existe de fato
algum debate franco sendo realizado) a expressão arte revolucionária não se
confunde aqui com propaganda política ou com o Realismo socialista, ainda
presentes de forma pífia na Coréia do Norte. Por arte revolucionária entende-se
uma experiência radical e libertária que pela forma, pelo conteúdo e pelas suas
condições técnicas independentes, compõe um espírito de não alinhamento, de não
composição com os valores do capitalismo. É uma experiência transformadora
irredutível a qualquer forma de controle externo. Muito mais do que expressão
de um imperativo ideológico fundamentado em uma linha política, a arte é
subversão do cotidiano alienado, é o enfrentamento que pelas suas próprias leis
de criação propõe uma nova percepção, uma atitude de contramão frente a
multidão imbecilizada, uma retomada da individualidade autentica, um combate a
barbárie que nos cerca.


Afonso Machado

sábado, 8 de outubro de 2011

A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica

Texto de Walter Benjamin publicado em 1955.

Primeira Versão
Quando Marx empreendeu a análise do modo de produção capitalista, esse modo de produção ainda estava em seus primórdios. Marx orientou suas investigações de forma a dar-lhes valor de prognósticos. Re-montou às relações fundamentais da produção capitalista e, ao descrevê-las, previu o futuro do capitalismo. Concluiu que se podia esperar desse sistema não somente urna exploração crescente do proletariado, mas também, em última análise, a criação de condições para a sua própria supressão.
Tendo em vista que a superestrutura se modifica mais lentamente que a base econômica, as mudanças ocorridas nas condições de produção precisaram mais de meio século para refletir-se em todos os setores da cultura. Só hoje podemos indicar de que forma isso se deu. Tais indicações devem por sua vez comportar alguns prognósticos. Mas esses prognósticos não se referem a teses sobre a arte de proletariado depois da tomada do poder, e muito menos na fase da sociedade sem classes, e sim a teses sobre as tendências evolutivas da arte, nas atuais condições produtivas. A dialética dessas tendências não é menos visível na su-perestrutura que na economia. Seria, portanto, falso subestimar o valor dessas teses para o combate político. Elas põem de lado numerosos conceitos tradicionais - como criatividade e gênio, validade eterna e estilo, forma e conteúdo - cuja aplicação incontrolada, e no momento dificilmente controlável, conduz à elaboração dos dados num sentido fascista. Os conceitos seguintes, novos na teoria da arte, distinguem-se dos outros pela circunstância de não serem de modo algum apropriáveis pelo fascismo. Em compensação, podem ser utilizados para a formulação de exigências revolucionárias na política artística.